Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Para entender o mundo corporativo

I

À época em que era escrita apenas para a publicação em jornal diário, a crônica tinha caducidade precoce. Talvez por isso o gênero tenha sido sempre visto como pouco merecedor de tratamento crítico, o que nunca o impediu de ser cultivado no Brasil desde o século XIX por escritores eminentes como José de Alencar (1829-1877) e Machado de Assis (1839-1908), passando por sua fase de ouro com João do Rio (1881-1921) e Rubem Braga (1913-1990), que seriam seguidos por mestres do quilate de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Fernando Sabino (1923-2004), Paulo Mendes Campos (1922-1991), Henrique Pongetti (1898-1979), Luis Martins (1907-1981), Lourenço Diaféria (1933-2008), Raquel de Queiroz (1910-2003) e outros tantos.

Agora, em época de Internet, essa caducidade já não é tão precoce, mas o gênero igualmente precisa do papel impresso para ganhar perenidade e talvez a pretensa eternidade dos arquivos e bibliotecas públicas, que o preservariam do esquecimento. Além disso, a crônica, espécie de conversa à beira do fogo ou debaixo da árvore, é ainda a melhor maneira de se dizer de maneira simples verdades que ditas de forma mais pomposa ou solene talvez não conquistassem tantos corações e mentes.

Foi o que “descobriu” Rivaldo Chinem (1952), experiente jornalista formado nas redações das principais publicações do País e hoje consultor da área empresarial, ao escrever, em formato de crônica, textos dirigidos ao mundo corporativo. Inicialmente destinadas a sua coluna num site da Internet, estas crônicas ganham agora a edição impressa com o livro 101 reflexões para evitar que sua empresa entre crise (São Paulo, Editora Ideias e Letras, 2016), que coloca em debate uma série de temas comuns no dia a dia das empresas. “São provocações relacionadas ao vastíssimo universo da comunicação, resultado de suas andanças, conhecimentos, conversas, entrevistas e observações do mundo”, diz o jornalista, comunicador e escritor Luiz Márcio Ribeiro Caldas Junior, autor do prefácio.


       II
Bem lidas por empresários ou executivos de baixo ou alto escalão em suas horas de descanso, estas reflexões, por certo, ajudarão os leitores a colocarem em prática no dia seguinte algumas providências que podem mudar o rumo de suas empresas nestes dias de angústia provocada por uma crise político-financeira originada da insensibilidade daqueles que deveriam bem cuidar dos destinos da Nação. Seus temas são atuais, variados e constantemente discutidos em locais de trabalho e nascem da leitura de jornais, sites, redes sociais ou mesmo de livros recém-lançados. São todos, porém, vistos sob a luz da comunicação, sejam de fundo científico, econômico, literário ou ainda notícias a respeito de figuras notórias na vida nacional. Em cada crônica, o consultor/cronista nunca deixa de reservar as últimas linhas para uma reflexão sobre o caso abordado, aplicando-o à rotina da empresa e do andamento dos negócios.

Em “Bioética em questão”, por exemplo, Chinem discute a afirmação do psicólogo norte-americano Howard Gardner, criador da Teoria das Inteligências Múltiplas, segundo a qual a ética neste século XXI vai valer mais que o conhecimento. E o que isso pode significar na vida das empresas, ou seja, cada vez mais o empresário e os gestores de empresas deverão estar atentos a questões morais, condutas e políticas. Tal como hoje no campo da bioética já não é admissível experimentos médicos sem o consentimento das pessoas ou que idosos sejam obrigados a tomar medicamentos contra à própria vontade, nas empresas é preciso vigilância para que nenhum funcionário seja constrangido por superiores hierárquicos. Um caso de assédio sexual, por exemplo, pode colocar em xeque a imagem de uma empresa, jogando por terra anos de trabalho sério.

Mais adiante, na crônica “Jornais empresariais”, Chinem resenha o livro Jornalismo organizacional – produção e percepção (São Paulo, Summus Editorial, 2011), da professora Marlene Branca Sólio, para concordar com a autora que, em geral, os jornais empresariais são pobres em pautas e que lhes falta qualidade na produção de textos. E que tudo isso resulta da ingerência de leigos em jornalismo que se sentem com autoridade para cortar, rabiscar ou vetar textos mais apurados, em nome de interesses mesquinhos ou a pretexto de não promover possíveis concorrentes. Em consequência, o que se vê são jornais corporativos com textos mal escritos, repetitivos, bajuladores, cheios de erros de gramática, “o que desmotiva o leitor”, diz Chinem.

Em outro texto, “Os press releases”, Chinem cita pesquisa que envolveu quase 500 profissionais de imprensa do Brasil, Estados Unidos e Europa e apontou que a primeira fonte dos jornalistas ainda são os press releases das assessorias de comunicação. No Brasil, onde foram ouvidos 84 profissionais, 62% recorrem às assessorias de imprensa e 59% aos porta-vozes das empresas. Para checagem, 66,6% recorrem ao Twitter, 59,3% ao Facebook e 57,1% aos blogues. No País, 32,1% dos repórteres usam o press release como primeira fonte, seguido dos sites com 16,6% e os porta-vozes com 14,2%. É de se observar que, no tempo em que Chinem dava seus primeiros passos na imprensa, todo bom profissional tinha uma caderneta, geralmente sebenta, com os telefones de suas fontes e não passava a maior parte do tempo na redação, mas atrás de notícias na rua, que era o lugar de todo bom repórter.

O livro termina com uma crônica, “Voz da razão”, que pode ser lida como uma homenagem aos 80 anos de Alberto Dines, em que esse mestre de todos nós lembra que há centenas de jornalistas com 65 ou 70 anos sem espaço nas redações porque empresários botaram na cabeça que o profissional, chegando aos 60, está na hora de ser cortado. “Eles inventaram esse raciocínio de que o novo custa menos. Não, o novo custa mais, porque faz coisas ruins, vai levar tempo para aprender e acaba prejudicando os outros”, ensina Dines.

Por estes exemplos, o leitor pode ter uma ideia do que o espera ao ler este livro que tem como pano de fundo o fascinante mundo da comunicação.

                                               III
Rivaldo Chinem, jornalista e consultor na área de comunicação empresarial, formado em 1974 pela Faculdade de Artes e Comunicação Social (Facos) da Universidade Católica de Santos (Unisantos), começou a trabalhar como repórter no extinto diário Cidade de Santos em 1972 e, depois, foi para a Agência Folha, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e revista Veja. Dirigiu o jornalismo da TV Gazeta e da Rádio Tupi, em São Paulo. Foi ainda um dos jornalistas que enfrentaram a ditadura militar (1964-1985) colaborando com a imprensa alternativa, tendo passado pelas redações de Repórter, Versus, Opinião, Movimento e de O São Paulo, então combativo jornal da Cúria Metropolitana de São Paulo, que tinha à frente o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns.

Apresentou o programa Imprensa e Comunicação em Debate na Rádio Bandeirantes. Foi articulista da Agência Estado com a coluna Leitura do Empresário, do site Topnegócios, do portal Terra, com a coluna Marketing Empresarial, e do portal Megabrasil, com a coluna O dia a dia das assessorias de comunicação, que mantém até hoje.

Prestou assessoria de imprensa para empresas multinacionais, associações de classe, empresários, políticos em São Paulo e em Brasília, governo e embaixada. Foi assessor de imprensa do ex-presidente Jânio Quadros (1917-1992). Ganhou o Prêmio Wladimir Herzog de Reportagem, instituído pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Deu cursos no Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB), Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, e Universidade de São Paulo (USP).

Publicou os livros Terror policial (São Paulo, Editora Global, 1980), em co-autoria com o jornalista Tim Lopes (1950-2002), Sentença: padres e posseiros do Araguaia (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983), Imprensa alternativa – jornais de oposição e inovação (São Paulo, Editora Ática, 1995), Assessoria de imprensa – como fazer (São Paulo, Summus, 2003), Jornalismo de guerrilha – a imprensa alternativa brasileira da censura à Internet (São Paulo, Editora Disal, 2004), Comunicação empresarial – teoria e o dia a dia das assessorias de comunicação (Vinhedo, Editora Horizonte, 2006), Marketing e divulgação da pequena empresa (São Paulo, Editora Senac, 2009), Introdução à comunicação empresarial (São Paulo, Editora Saraiva, 2010); Comunicação corporativa (São Paulo, Editora Escala, 2011); e Comunicação empresarial: uma nova visão da empresa moderna (São Paulo, Discovery Publicações, 2012). Adelto Gonçalves - Brasil

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101 reflexões para evitar que sua empresa entre em crise, de Rivaldo Chinem. São Paulo: Editora Ideias & Letras, 117 págs., R$ 20,90, 2016. Site: www.ideiaseletras.com.br
E-mail: vendas@ideiaseletras.com.br


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Adelto Gonçalves,  jornalista, é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em terras d´El-Rei na São Paulo colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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