“A Casa do Eusébio”
A casa do Eusébio é uma simples casa de madeira e zinco, ao bom estilo da época em que foi construída. Deve ter sido uma vivenda bonita. Deve ter sido o orgulho dos que a ergueram. Deve ter sido a alegria dos que ali nasceram. Hoje, porém, assemelha-se a uma casa fantasma, cansada, pronta a desabar ao leve sopro do vento. Atrás, no quintal, o capim se ergue, verde e altivo, encorajado pela terra rica do lugar e pela inércia dos que lá habitam.
Ao olhar a casa onde nasceu um dos melhores futebolistas do mundo senti uma profunda desolação, porque a casa do cidadão Eusébio da Silva Ferreira, ao contrário das casas de outras grandes figuras universais, feitas lugares de culto, corria o desagradável risco de se transformar numa casa anónima, frágil, vulnerável às intempéries da natureza, susceptível de qualquer demolição por imposição de uma distraída ordem camarária. Aquela casa de madeira e zinco com o número 208, situada numa rua cujo nome me escapa à memória, não passa, hoje, duma triste caricatura da nossa pobreza interior, distanciando-se das casas de outras figuras que se notabilizaram pelo mundo fora. Não se assemelhava, por exemplo, àquela outra pertencente a um grande escritor universal chamado Ernest Hemingway, construída ao estilo colonial espanhol na metade do século XIX, cercada de jardins repletos de plantas tropicais, piscina e outras coisas que atraem a atenção dos estudiosos que se deslocam à casa onde Hemingway escreveu clássicos como “Adeus às Armas”, “Ter ou Não Ter” e “Por Quem os Sinos Dobram”. A casa de Eusébio nada tem a ver com a casa do Jorge Amado, escritor baiano, que abriga uma exposição permanente sobre a vida e a obra daquele que é considerado um dos maiores escritores brasileiros de sempre, casa onde se encontram expostas fotografias, painéis, prémios disto e daquilo, condecorações e coisas que tais.
Nos tempos que correm é cada vez mais crescente o número de países que fazem questão em perpetuar a imagem dos seus grandes ídolos, ressuscitando o lugar onde nasceram, colocando-o para sempre para a história. Três Corações, cidade de sul de Minas Gerais que se orgulha de ser o berço do futebolista Pelé, e que viu o rei crescer e transformar-se no melhor jogador da história do futebol, pretende recuperar o amplo terreno onde existiu a casa do rei, na antiga rua 13, actual Rua Edson Arantes de Nascimento Pelé, transformando-a num lugar de história e de recordações. E nós, o que pensamos acerca da casa do fabuloso menino da Mafalala? Não será este o tempo de transformar aquela débil vivenda num importante museu sobre Eusébio, isto é, sobre o futebol moçambicano? Creio que a concretização desta vontade deve contar com a anuência do Pantera Negra e da imprescindível disponibilidade da família do futebolista, depositário, afinal, do imóvel e da história que encerra. Depois, obviamente, deve contar com a boa vontade do Estado nessa sua delicada responsabilidade oficial de patrono de projectos com inserção sócio-cultural . Porque ele, o Eusébio da Silva Ferreira, apesar dessa longa diáspora em terras portuguesas, pertence a este chão e é um incontornável ícone, tal como o poeta Craveirinha, o pintor Malangatana, ou mesmo o músico e compositor Fani Mpfumu. Naturalmente que estamos perante um desejo com um alcance cultural profundo, porque se trata de um acto de preservação histórica, numa altura em que o “resgate da memória” se tornou num dos temas preferidos nas conversas de todas as esquinas. Para as gerações que hão-de vir depois da nossa, uma Casa do Eusébio, isto é, um museu, pode vir a ter um significado muito mais importante que todas as biografias que venham a ser escritas sobre o Pantera Negra. Vamos pensar nisso. Eusébio o merece. Mafalala também.” Marcelo Panguana – Moçambique in “O País”
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