Trocar
a Lusofonia pela Galeguia
Há uns anos atrás, num evento literário na
Galiza, o nosso Pepetela sugeriu que se trocasse a palavra Lusofonia por
Galeguia. Galeguia, além de ter um som mais bonito, remete para a origem
galaica da língua portuguesa e subtrai-lhe, elegantemente, o peso do passado
colonial luso. Há muitos angolanos que não se consideram lusófonos mas talvez
pudessem estar dispostos a pertencer à Galeguia, com a Galiza como entidade
neutra e unificadora através da língua comum. Parece que o Pepetela estaria de
acordo. Eu também.
Não há terra como a Galiza, não há gente como
a galega. Quem, dos que falamos português, já foi tocado pela generosidade
desse canto do planeta, sabe do que estou a falar. Do Brasil, perguntem ao
Chico César ou ao Lenine. Da Guiné, perguntem ao Manecas Costa. De Angola,
perguntem ao Pepetela ou ao Ondjaki. Eu mesma vivi em Santiago de Compostela um
ano, onde cultivei sólidas amizades e projectos profissionais (lá gravei o meu
primeiro disco), vivendo cada dia em português. A maneira como somos recebidos
na Galiza ultrapassa qualquer definição de hospitalidade. Falamos a mesma
língua e isso nunca teve um efeito tão surpreendente, tão carinhoso. Mas este é
ainda um vínculo escondido, um laço invisível, um namoro secreto que deve ser
assumido oficialmente e bradado aos sete ventos.
A Galiza é uma região autónoma situada no
canto noroeste de Espanha, bem em cima de Portugal. O galego, apesar de se
escrever diferente do português, é a mesma língua, não só na oralidade mas
também na origem. Como é sabido, foi lá que nasceram estas palavras que agora
escrevo e que agora lês. As diferenças que existem são as esperadas em qualquer
língua: cada lugar tem o seu próprio jeito e o seu léxico. Uma língua pode ter
muitos dialectos, variantes ou vários sotaques diferentes. As línguas são
lugares permeáveis e cambiantes ao longo do tempo, sensíveis ao seu contexto.
Ainda assim, entre o galego e o português aplica-se aquela frase: “muito mais é
o que nos une que aquilo que nos separa”.
Por outro lado, as línguas não poucas vezes
são usadas como arma política. O galego separou-se do português por causa de
uma fronteira política, que colocou a Galiza dentro do Estado espanhol.
Progressivamente, dadas as circunstâncias históricas, o galego adoptou uma
grafia intencionalmente separada do português e coincidente com a do espanhol,
face à oposição de muitos. Pior do que isso, foi a repressão que sofreu durante
a ditadura franquista, por exemplo. Nessa altura, houve um esforço para anular
todos os idiomas que não fossem o castelhano – na escola, as crianças que
falassem galego, catalão ou basco mereciam castigo. Paralelamente, o galego
sofreu uma corrosiva “castelhanização”, afastando-se mais ainda da variante
portuguesa.
Mas continua a ser evidente que o galego e o
português são duas variantes da mesma língua e basta um encontro atento para
confirmá-lo. Por tudo isso, a Galiza deveria ocupar a cadeira que lhe é
merecida na CPLP, mesmo não sendo um Estado. Sobram motivos para dar o passo
oficial e reconhecer a Galiza como nação de língua portuguesa (ou
galego-portuguesa). Isso tem muito mais sentido do que abrir as portas da CPLP
à Guiné Equatorial, onde nem sequer se fala português nem… nada. Nada além dos
interesses económicos, é claro. Em contrapartida, a entrada da Galiza poderia
fazer do espaço lusófono um lugar menos marcado pelo passado político e mais
centrado na língua comum, como plataforma de partilha cultural, económica,
académica, etc.
Sem perder de vista o debate institucional,
interessadamente lento, cabe aos galegos continuar a sua luta pela reintegração
linguística e cabe-nos a nós conhecer, apoiar e empurrar esses passos. Como
sempre, a Cultura caminha muito à frente das Oficialidades. Há anos que existe
uma intensa partilha cultural entre os países de língua portuguesa e a Galiza.
O Festival Cantos na Maré é um bom exemplo disso. Músicos, escritores, actores,
cineastas e demais agentes culturais têm consolidado essa troca, essa amizade e
essa pertença mútua com ainda tanto por descobrir.
Imagine-se só? Vai ser que, afinal, não
falamos a língua do colono: falamos galego de Angola, com o sabor bantu do
Atlântico-Sul. Aline Frazão – Angola in “Rede Angola”
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