Palavra
comum é uma publicação dirigida a fazermos comum um espaço de
cultura, além de fronteiras artificiais. Permita-se-me logo recuperar para ela
uma nota vivencial que junta tudo em termos de vida, do que se faz vivendo:
comer, viajar, falar, sonhar com as pálpebras fechadas ou abertas.
Há mais de sete anos que a
escrevi a gentil demanda do Eixo
Atlântico, conformado pelas principais cidades da euro-região Galiza-Norte
de Portugal. E ainda vale, como valerá, porque as circunstâncias essenciais não
mudaram.
Contudo, já fecharam três
negócios que juntavam galegos e portugueses na capital da União Europeia: o
restaurante Madredeus, a butique Gallaecia de delikatessen galegas e a vizinha livraria Orfeu. C’est la vie…
Bruxelas, Janeiro de 2008, Rue
des deux Eglises, restaurantezinho de cuisine
portugaise. Sentam à mesa dois amigos, um deles criado entre Ferrol e
Pontedeume; o outro, entre a Foz do Douro e o Porto. Vêm de ver uma magnífica
exposição em Bozar sobre as descobertas do mundo e a participação portuguesa
nelas. A conversa, geográfica, segue por cima de bom vinho e melhor bacalhau.
O empregado entra nela,
prudente e distante ante a sabedoria que mostram aqueles “doutores”, muito
viajados, e, quando se dão conta, os três estão a falar de grelos, da saudade
pelos grelos. O empregado confessa que, por vezes, sem perguntar muito de onde
vieram, consegue grelos na loja de legumes dum marroquino. Também se fala duma
loja já clássica em Bruxelas, de clássico nome, Gallaecia, onde nunca faltam
grelos em lata, preparados para matarem morrinhas estomacais.
A seguir, os amigos vão
traçando o mapa do mundo onde os grelos existem para definirem país: o Ocidente
asturiano, o Berço, a Sanábria, Galiza, Trás-os-Montes, o Minho, o Douro,
terras ainda além do Douro. E às famosas folhas do nabo juntam peixes:
principalmente bacalhau e pescada.
O da Ferrolterra lembra tempos
de estudante em Madrid e recorda um túnel da estrada geral da Castela, em
Vilafranca do Berço. Esse túnel, perto da entrada á Galiza oficial, era chamado
“a Cortina de Grelos” quando a Europa, agora unida, estava dividida pela
Cortina de Ferro.
O da Foz do Douro põe cara de
transcendência para pronunciar uma frase portuguesíssima:
– Quanto português terá
morrido no Japão ou na Índia a sonhar com um prato de pescada com grelos!
E o seu colega, para assombro
do empregado, define, rotundo:
– A pescada com grelos é a
bandeira nacional das terras que formaram a antiga Gallaecia…
Em Bruxelas constituiu-se uma
“associação cultural galaico-portuguesa” de nome que não deixa lugar a dúvidas:
Couto Mixto.
Da capital da União Europeia
vê-se a Europa formada pelas suas regiões naturais, e pelas euro-regiões que
superam as fronteiras felizmente derrubadas. Entre estas, como exemplo de
esperança numa União frutífera, contempla-se a que formam o Norte de Portugal e
a Galiza: terras coloridas dum verde tenro e fresco como o do legume da
historieta bruxelense, abertas ao longo duma delgada raia imaginária que o
Couto Mixto alargou durante séculos.
Essa euro-região está
duramente marcada pelo clima e a geologia, pela geografia, pelo vinho claro e o
granito escuro dos espigueiros e os paços, pela genética e a toponímia, pelas
sardinhas e o polvo; por uma maneira de trabalhar calada e rija que forma parte
da epopeia ibero-americana; pela fala que se fez língua portuguesa caminho do
Sul e a partir de Lisboa ganhou quatro continentes.
A união das gentes entre a
Ribeira atlântica do Douro e a Marinha cantábrica de Lugo é tão natural como o
nevoeiro que às vezes cobre o Finis Terrae europeu e traz confusões às mentes. O
seu fado comum – apesar das névoas – é viverem em rede, em contínuo movimento
sobre estradas de grande capacidade e caminhos-de-ferro de alta velocidade, a
fazerem negócios e cultura.
A partir do Eixo Atlántico que
lhes dá comum ilusão, vai-se desenvolvendo a malha que lhes dá coesão.
Naturalmente… Xavier Alcalá – Galiza in “xavieralcala.blogaliza.org”
Xavier
Alcalá - Eu nacín en Miguelturra, no máis seco da seca Mancha,
que é parte de Castela a Nova onde se fala castelán con propiedade e graza de
lingua sen dúbidas. Ese foi o meu idioma primeiro. O segundo sería o galego,
Ecce Homo dos idiomas, como escribín nos fértiles vinte anos, cando tentaba ser
poeta.Desde cativo souben o que era a loita desigual entre dúas linguas, e
-porque algo me manda andar a contrafío- tomei partida pola dos perdedores.
Sei que isto non é un mérito
senón unha cuestión de carácter, e quero deixar constancia do que penso cando
xa vou vello e teño quen me agarime as barbas mentres me chama “avó”.
Fíxenme persoa en Ferrol,
terra de aluvión. Son inmigrante en país de emigrantes e non dou lembrado os
pagos da miña orixe fortuíta (porque a memoria dos pequenos é parcial: feita só
de luzadas imposibles de situar). Como outros que tampouco recordan onde
naceron, tento xustificar a vida agarrándome aos cabos da infancia que se fai
adolescencia para logo ser mocidade: declaro o meu amor sen límite á Ferrolterra
e ao recanto eumés.
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