Na primeira reunião presencial do Conselho Regional da Ásia e Oceânia do Conselho das Comunidades Portuguesas, realizada em Díli, conselheiros de Timor-Leste, Austrália e China identificaram desafios comuns e traçaram estratégias para valorizar a língua portuguesa, dinamizar o associativismo e apoiar os portugueses no estrangeiro
As Comunidades Portuguesas na Ásia e Oceânia reforçam laços e propõem soluções para promover a língua, a identidade e a cooperação
Na primeira reunião presencial do Conselho Regional da Ásia e Oceânia do Conselho das Comunidades Portuguesas, realizada em Díli, conselheiros de Timor-Leste, Austrália e China identificaram desafios comuns e traçaram estratégias para valorizar a língua portuguesa, dinamizar o associativismo e apoiar os portugueses no estrangeiro.
As comunidades portuguesas na Ásia e Oceânia enfrentam desafios comuns que vão desde a preservação da identidade cultural à promoção da língua portuguesa e à adaptação aos contextos socioeconómicos dos países de acolhimento. Esta foi uma das principais conclusões da reunião do Conselho Regional da Ásia e Oceânia do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), que decorreu em Díli, nos dias 20 e 21 de março de 2025.
A iniciativa reuniu conselheiros dos círculos da Austrália, China e Timor-Leste. Durante dois dias de trabalhos, foi feito o balanço das atividades desenvolvidas e discutidos temas como o ensino do português, os serviços consulares, os fluxos migratórios e as oportunidades de cooperação económica e cultural.
Desafios estruturais nas comunidades da Austrália
A Conselheira da Austrália, Sara Fernandes, alertou para o decréscimo da população portuguesa no país, causado pelas políticas restritivas de imigração e pelo elevado custo de vida. “Quem chega com um visto de estudante, por exemplo, não tem acesso ao sistema de saúde público (Medicare) e é obrigado a pagar um seguro privado, o que torna a permanência bastante desafiante”, explicou.
As dificuldades não se limitam aos recém-chegados. Os imigrantes enfrentam obstáculos no acesso à saúde, limitações no número de horas de trabalho e problemas de integração, especialmente os idosos que, devido à barreira linguística, vivem frequentemente em situação de isolamento.
Outro ponto crítico é a fraca procura pelas aulas de português. Apesar do apoio do Instituto Camões, que fornece materiais didáticos e até tablets, as escolas funcionam de forma autónoma e com dificuldades em atrair alunos. Ainda assim, Sara Fernandes destacou avanços recentes, como a abertura de uma escola de português para adultos em Queensland, que já conta com várias inscrições.
Conforme a Conselheira, a nova geração de imigrantes portuguesas, com o aumento da mobilidade proporcionada pelo Working Holiday Visa, chega com um bom domínio da língua inglesa e uma compreensão prévia da cultura local. “Isso facilita significativamente a sua integração na sociedade australiana, especialmente no contexto cultural anglo-saxónico. Estes jovens vêm preparados, com objetivos bem definidos e uma maior capacidade de adaptação”, observou.
Identidade e cooperação luso-timorense como prioridade
Durante a reunião, foi também salientado o papel das comunidades na dinamização das relações entre Portugal e os países da região. “A comunidade portuguesa na diáspora pode ser uma facilitadora de intercâmbios culturais, educativos e económicos entre Portugal, Timor-Leste e a Austrália”, afirmou Sara Fernandes, que aproveitou a estadia em Díli para reforçar esse compromisso junto das autoridades timorenses.
Em Timor-Leste, a presença portuguesa é significativa e contribui para o reforço institucional em áreas como a justiça, saúde, administração pública e formação profissional. O conselheiro Filipe Silva destacou a importância da cooperação no ensino da língua portuguesa, através de projetos como o CAFE (Centro de Aprendizagem e Formação Escolar), concursos escolares e bolsas de estudo.
“É preciso tornar o português mais atrativo para os jovens, ligando-o à cultura, ao desporto, aos media e ao empreendedorismo”, sublinhou Filipe Silva. A Escola Portuguesa de Díli também tem desempenhado um papel de destaque, sendo hoje um polo de atração para alunos timorenses e estrangeiros.
Segundo o Conselheiro, é necessário reforçar a estratégia. Muitos jovens timorenses demonstram respeito pela língua portuguesa, mas questionam a sua utilidade prática no dia a dia. “Por isso, é essencial apostar em iniciativas que revelem, de forma concreta, o valor e as oportunidades que o domínio da língua portuguesa pode trazer para o seu futuro”, referiu.
Serviços consulares e voto por correspondência preocupam comunidade
Entre os principais constrangimentos apontados pelas comunidades residentes em Timor-Leste está o acesso aos serviços consulares. Apesar das melhorias nos últimos anos, Filipe Silva defende que é preciso flexibilizar os horários de atendimento e reativar um serviço de saúde básico para os cooperantes portugueses, encerrado em 2012. “Acredito que o Estado português deveria ponderar seriamente a reativação de um serviço de saúde básico em Díli, com a presença de um médico e uma enfermeira, mesmo que com um modelo de copagamento”, afirmou.
O direito de voto foi outro tema debatido com preocupação. O voto por correspondência continua a ser altamente ineficaz devido à morosidade dos correios timorenses. O Conselho das Comunidades Portuguesas voltou a defender a introdução do voto eletrónico como uma solução urgente, proposta que tem encontrado resistência no Parlamento português.
Macau como elo entre culturas e reforço do ensino
Macau foi também abordado durante a reunião como exemplo de promoção da língua portuguesa em contexto multicultural. Segundo Rui Marcelo, presidente do Conselho Regional da Ásia e Oceânia do CCP, a cooperação entre Macau e Timor-Leste no intercâmbio de estudantes deve ser fortalecida. “Ambos os territórios têm escolas portuguesas, o que reforça a ligação histórica e educativa entre os dois espaços”, afirmou.
Rui Marcelo destacou ainda que a promoção do português não se faz apenas nas escolas, mas também nos órgãos de comunicação social, como é o caso de Macau, onde existem vários meios em língua portuguesa, incluindo televisão. “Isso contribui para tornar o idioma mais presente no quotidiano da população”, acrescentou.
O presidente afirmou que, apesar da diminuição da presença portuguesa no território, os portugueses que permanecem em Macau continuam a desempenhar um papel crucial na preservação da língua, da cultura e da identidade lusófona na Ásia e Oceânia.
“O ensino da língua portuguesa em Macau beneficia de um estatuto privilegiado, e várias estratégias têm sido implementadas para garantir a qualidade e a continuidade desse ensino, tanto para lusodescendentes como para aprendentes não nativos”, referiu Rui Marcelo.
Segundo o presidente, uma das principais iniciativas passa pela formação contínua de professores de português. “O Governo e as instituições educativas da China colaboram com entidades em Portugal para capacitar docentes, garantindo competências adequadas e atualizadas, com recurso a métodos pedagógicos inovadores e materiais didáticos modernos”.
A existência de escolas com ensino em português, bibliotecas com acervo em língua portuguesa e eventos culturais — como festivais, celebrações tradicionais e workshops — tem sido fundamental para valorizar a herança lusófona em Macau. “Estes espaços promovem a leitura e o acesso à cultura portuguesa, incentivando os jovens a explorar a língua de forma lúdica e educativa”, acrescentou.
A integração da comunidade portuguesa em Macau é, de um modo geral, bastante positiva, com presença significativa na administração pública, na educação, no comércio e na cultura. “Essa diversidade de atuação tem contribuído para reforçar a valorização da cultura portuguesa e a sua influência no quotidiano da região”, destacou.
Rui Marcelo sublinhou ainda que a comunidade portuguesa em Macau pode e deve desempenhar um papel de relevo no reforço da posição do território como plataforma de ligação entre a China e os países de língua portuguesa. “A comunidade local pode funcionar como intermediária em negócios e investimentos multilaterais. A promoção de experiências culturais únicas, como na gastronomia e na hotelaria portuguesas, tem um grande potencial económico”, afirmou.
Em relação ao apoio institucional, destacou os serviços prestados pelo Consulado-Geral de Portugal em Macau e pelo próprio Conselho das Comunidades Portuguesas, que incluem assistência consular, eventos culturais, feiras de emprego e programas de formação. “Estas iniciativas são essenciais para garantir que a língua e a cultura portuguesas continuem a ser valorizadas, mesmo num contexto de crescente integração local”, concluiu.
Educação, cultura e economia como eixos de intervenção
A reunião resultou na elaboração de um plano de atividades com foco em três eixos principais: educação e língua, cooperação cultural e relações económicas. Foram debatidas estratégias para dinamizar o associativismo, apoiar os empresários portugueses e mapear oportunidades em áreas como turismo, gastronomia, tecnologia e educação.
No caso da Austrália, Sara Fernandes lamentou a inatividade da Câmara de Comércio, desativada no período pós-pandemia, e apelou à sua reativação como plataforma essencial para apoiar os empresários portugueses.
A reunião terminou com visitas culturais a instituições timorenses e um encontro com a comunidade portuguesa residente em Díli. Segundo Rui Marcelo, a escolha de Timor-Leste para acolher este primeiro encontro presencial do Conselho Regional da Ásia e Oceânia “foi quase óbvia”, dado que o país passou a estar representado neste mandato. “O nosso objetivo comum é promover o intercâmbio entre as comunidades portuguesas da região, respeitando a especificidade de cada uma, mas agindo com uma estratégia conjunta”, concluiu. Joana Silva – Timor-Leste in “Diligente”
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