Naturalismo no Brasil
APRESENTAÇÃO
[este texto,
até agora inédito, abrirá um livro que reunirá os romances naturalistas nele
referidos, a ser lançado em breve pela Edusp]
1.
Romantismo,
Realismo
Embora seja sempre difícil tentar descrever
movimentos literários – seria preciso perder todo o espírito de rigor para
definir o Romantismo, disse Valéry –, muitas vezes a necessidade se impõe de
postular ou reconhecer o ar de família entre obras tradicionalmente ajuntadas
sob a mesma denominação geral. No caso deste livro, o objetivo é apresentar o
texto integral de alguns dos mais importantes romances publicados no final do
século XIX, que usualmente são descritos como pertencentes ao Naturalismo. O
elenco das características que permitem afirmar ou negar a propriedade de tal
descrição aplicada a cada caso será, sem dúvida, objeto dos estudos críticos
que os precedem. A esta introdução cabe apresentar, em linhas sumárias, qual
tem sido o uso da palavra Naturalismo e o que ela implica, quando aplicada à
literatura.
Na descrição tradicional da historiografia
literária, o Realismo constitui um aspecto ou desenvolvimento particular da
grande corrente moderna que se inicia no final do século XVIII e se estende até
a virada do XIX para o XX. Nesse sentido, é mesmo possível afirmar, com António
José Saraiva e Óscar Lopes, que o nome geral desse arco que se estende entre a
Ilustração e a época contemporânea possa ser Romantismo. É o que fazem esses
autores, na apresentação “6a época” da literatura portuguesa:
Na verdade, as escolas “realistas” e
“naturalistas” sucedem às escolas “românticas” no sentido restrito, mas pode
dizer-se que o Romantismo, em sentido lato, as abrange a todas e só chega ao
seu termo no final do século XIX, quando surge o simbolismo. Os escritores
realistas e naturalistas não trazem alterações radicais quanto ao estilo; e as
suas relações com o público, a natureza mesma deste público, são as já
características dos escritores que os precedem. Zola, George Eliot, tal como
Hugo e Michelet, consideram-se antes de tudo semeadores de ideias, aferem o
valor das palavras pelo poder comunicativo, apreciam os grandes efeitos, têm a
consciência de desempenhar uma autoridade espiritual, estão animados de confiança
no Progresso.[1]
Entretanto, se é possível descrever como
continuidade, do ponto de vista da missão e do lugar do escritor e da formação
do público, a relação entre os primeiros românticos e os últimos (ou
naturalistas), é claro que um escritor como Flaubert (e mesmo os irmãos
Goncourt) apenas com algum esforço poderia ser aí enquadrado, se nossa atenção
se concentrar na fatura dos textos.
Como mostrou Auerbach, do ponto de vista do
estilo e da condução da narrativa, há expressivas diferenças de tom e forma
entre a perspectiva romântica e a realista. Uma das mais relevantes diz
respeito à maneira de organização do discurso segundo os gêneros definidos pela
tradição anterior:
A irrupção da seriedade trágica e existencial
no Realismo, tal como a constatamos em Stendhal e Balzac, está, sem dúvida, em
estreita correlação com o grande movimento romântico da mistura dos estilos,
designado pelo slogan “Shakespeare contra Racine”, e considero a forma de
Stendhal e de Balzac, a mistura do sério com a realidade quotidiana, muito mais
decisiva, autêntica, importante, do que a do grupo de Victor Hugo, que queria
unir o sublime ao grotesco.[2]
Já no que toca à representação da sociedade
ao longo do século XIX, escrevia o mesmo crítico:
Nos primeiros grandes realistas do século, em
Stendhal, Balzac e ainda em Flaubert, as camadas mais baixas do povo, o povo
propriamente dito, mal aparece; e quando aparece, não é visto a partir dos seus
próprios pressupostos, na sua própria vida, mas de cima. [...] Mas a irrupção
da mistura realista de estilos, que Stendhal e Balzac tinham imposto, não podia
deter-se diante do quarto estado; devia seguir a evolução política e social; o
Realismo devia abranger toda a realidade da cultura contemporânea, na qual,
embora predominasse a burguesia, as massas já começavam a pressionar
ameaçadoramente, à medida que se tornavam cada vez mais conscientes da sua
própria função e do seu poder. O povão, em todas suas partes, devia ser
incluído no Realismo sério como tema.[3]
A linha evolutiva aqui traçada tem, pois,
duas inflexões: do ponto de vista do estilo, segundo Auerbach, o
Realismo/Naturalismo se caracterizará por resolver o contraste genérico entre o
alto e o baixo não mais pela coexistência, numa obra, do grotesco com o
sublime, mas sim pelo tratamento sério (isto é, trágico, do ponto de vista do
antigo regime dos gêneros) da matéria baixa; já do ponto de vista da função da
literatura e do papel do escritor frente ao público, a continuidade se daria
(nos termos em que a descrevem Saraiva e Lopes) entre a primeira e a última
fase, isto é, entre o que se denomina usualmente, de modo específico,
“romantismo” e “naturalismo”.
Mas há outro elemento importante, quando se
trata de descrever a linha de continuidade da literatura oitocentista, pois
entre os vários começos do que depois se definiria em sentido amplo como
modernidade, um ressalta, de uma perspectiva estritamente literária: a obra de
Rousseau – para quem são as circunstâncias da vida social (das quais as mais
notáveis são o ambiente em que vivem, a sua alimentação e a sua educação) que
produzem as diferenças entre os homens. Ou seja, em última análise, é o meio
que conforma não só o corpo, mas ainda a organização mental. A consequência estilística
desse pressuposto, como anotou Lanson, carregando talvez nas tintas para
afirmar a singularidade da obra, foi esta:
[...] antes de Rousseau, a natureza não tinha
lugar na literatura. Ele a transforma em soberana: ela se torna objeto de
estudo e de expressão. É o sinal de uma grave mudança: terminou a literatura
psicológica. Enquanto apenas o homem era assunto do livro, ele era visto por
dentro: agora a natureza divide com ele a atenção do escritor, e daí resulta
que, tomando-o com a natureza, ele é visto dentro da natureza, isto é: por
fora. A literatura será então pitoresca, mais do que psicológica: mesmo para
descrever a alma, ela olhará o corpo. Rousseau vê Júlia loira e Clara morena;
mudando a cor dos cabelos dessas mulheres toda a composição do romance se
embaça.[4]
Nessa passagem, interessa sobretudo a maneira
de compreender a mistura dos gêneros, que é descrita como função da
substituição de um modelo psicológico por um modelo pitoresco – ou seja, de um
modelo centrado no estudo das paixões em liberdade (no qual, por isso mesmo, a
perda de liberdade do exercício da paixão, o seu condicionamento, apenas se
podia vazar na forma da comédia, em estilo baixo) para um modelo no qual a
determinação do indivíduo pelas condições objetivas é central.[5] O que impede,
evidentemente, a manutenção do sistema de gêneros, e dá origem a um pendor
descritivo e analítico das circunstâncias materiais que envolvem e condicionam
as ações e reações das personagens. Desse ponto de vista, vale a pena destacar
também, nessa passagem, a proposição de que a perspectiva determinista tende a
se resolver em pitoresco.
O pitoresco foi objeto de grande valorização
romântica, pelo menos desde o famoso prefácio de Cromwell, e continuou sendo
uma obsessão do pensamento determinista – e não só o exótico no sentido do
afastamento no tempo ou no espaço, mas também no do mergulho num mundo de
alteridade social, em relação àquele em que se situavam o escritor e seu
público. Sobre isso, para estabelecer ainda uma distinção dentro do grande arco
moderno da modernidade romântica, vale retomar um parágrafo de Edmond de
Goncourt:
Mas por que...escolher estes ambientes?
Porque é em baixo que, durante a decadência de uma civilização, se conserva o
caráter das coisas, das pessoas, da língua, de tudo... E por que mais? Talvez
porque sou um literato bem nascido, e porque o povo, a canalha, se preferirdes,
tem para mim o atrativo das populações desconhecidas e não descobertas, algo de
exótico que os viajantes procuram.[6]
Numa passagem como esta, o movimento ainda é
duplo, pois o objetivo de estudo e descrição das condições aparece submerso sob
o renitente apelo romântico do caráter da língua e do povo, bem como da
concepção do exótico como pura novidade e estranhamento. Mas já em Émile Zola
(1840-1902), não apenas o gosto de classe não será evidente – o que também
responde pela diferença de seu estilo em relação ao da escrita artística dos
Goncourt –, mas também o exotismo social se afastará decididamente do primeiro
gosto romântico para constituir-se antes o campo de provas de pressupostos
deterministas de validade universal. Estaria aí, nessa inflexão, a base da
distinção entre a denominação geral Realismo, para definir o segundo momento
romântico, e a denominação específica Naturalismo, que se fixou a partir da
atuação de Zola.
2. Realismo, Naturalismo
Para vários autores, as fronteiras entre o
que se denomina Naturalismo e o que se denomina Realismo são tênues, como
constatam dois historiadores do movimento:
O conteúdo dos termos Realismo e Naturalismo
parece tão vizinho que várias obras de crítica consagradas a esses “momentos”
de nossa literatura puderam, indevidamente, sob o nome de Realismo ou de
Naturalismo, estudar os mesmo autores, os mesmos temas e os mesmos fatos.[7]
Mas, embora julguem ser indevida essa
comutação de termos, Bornecque e Cogny pouco têm a acrescentar, em termos de
delimitação dos movimentos, além de uma lista de autores que pertenceriam a um
e a outro. Uma lista de autores e obras que é antes um corte cronológico do que
o agrupamento segundo características internas, da qual a única conclusão a
tirar é que o Realismo é uma etapa prévia do Naturalismo, formando ambos um só
movimento literário:
Se se considera o conjunto do movimento, é
possível distinguir na sua evolução:
Um período afetivo (1848-1868): o Realismo;
Um período de luta metódica em torno de um
homem, Zola, e de um embrião de escola, o grupo de Medan (1868-1887). O
Realismo se transforma em Naturalismo, se endurece e se sistematiza. Ele
pretende ao mesmo tempo sublimar-se. Ele triunfa mas se exaspera.
De que decorre um período de ruptura
(1887-1891), no qual cada um retoma sua liberdade.
A questão, vê-se, não é simples, e talvez
possamos situá-la de forma mais produtiva se levarmos em conta outra
consideração dos mesmos autores:
Da mesma forma que, por si só, Zola pode
encarnar o Naturalismo dogmático, os Goncourt, extremamente receptivos,
simbolizam, pelas suas contradições, a história mesma da confusão possível
entre Realismo e Naturalismo, segundo se atente para as teorias ou para as
realizações.[8]
Essa passagem tem o mérito de tornar mais
claros os termos da discussão: “segundo se atente para as teorias ou para as
realizações” e “naturalismo dogmático”. Ou seja, o Naturalismo é tanto uma
teoria, ou melhor, uma preceptiva, um programa, quanto um tipo de texto, um
conjunto de procedimentos literários. No sentido de ser um programa literário,
não é excessivo pensar que o nome Naturalismo e o nome de Zola designam o mesmo
objeto.
Num outro livro de introdução ao Naturalismo,
Pierre Cogny, fazendo um levantamento do uso dos dois termos em questão ao
longo do tempo, chega à seguinte conclusão:
Naturalismo e Realismo representam um só e
único conteúdo [...] De imediato, aguardando que novos documentos autorizem uma
discriminação mais refinada, nós admitiremos que o Naturalismo saiu
cronologicamente – e sem dúvida historicamente – do Realismo, do qual ele seria
o herdeiro. Haveria, nesta hipótese, um problema essencialmente geracional e o
Realismo-filho se denominaria Naturalismo para se distinguir de seu pai...[9]
Também nesse livro, Cogny afirma que é
possível pensar que “o Realismo é movimento e o Naturalismo, escola” – isto é,
que o Realismo é uma tendência ampla e o Naturalismo é uma forma particular de
realismo, codificada por Émile Zola – “em quem se resume, finalmente, o
Naturalismo todo”.[10]
No Brasil, os termos tendem a ser
compreendidos de modo diferente, em função de um episódio importante. Trata-se
da repercussão, aqui, da publicação do livro O primo Basílio, de Eça de
Queirós, em 1878. Na época, predominava no Brasil o romance de recorte
romântico, cujas modalidades mais generalizadas eram a narrativa passional, a
histórica, a intimista e a de atualidade. No mesmo ano da publicação de O primo
Basílio, Machado de Assis lançava seu quarto romance, Iaiá Garcia, em que mais
uma vez (mas agora em discurso impessoal, sem intervenções do narrador)
centrava a intriga no conflito entre o sentimento e a injunção social.
É esse primeiro Machado, anterior à
reviravolta temática e estilística que terá lugar em sua obra a partir de
Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), que criticará os dois primeiros
romances de Eça de Queirós como representantes de uma tendência literária
nociva, capitaneada por Émile Zola. Para o brasileiro, o português era “um fiel
e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor do Assommoir”. Realismo
esse que se caracterizaria por ser “implacável, consequente, lógico”, “sem
rebuço, sem atenuações, sem melindres”, empenhado na “reprodução fotográfica e
servil das coisas mínimas e ignóbeis” e em tratar “o escuso e o torpe [...] com
um carinho minucioso e [...] com uma exação de inventário.”
Para Machado, em 1878, o caminho correto da
literatura brasileira estaria num retorno às “águas sadias do Monge de Cister,
do Arco de Sant’Ana e do Guarani”.
Não obstante seu parecer, o Realismo
propagado por Zola impôs-se, no Brasil, como no restante do mundo, tornando-se
sinônimo de atualidade, de modernidade artística. Recusando-o, Machado não
prosseguirá, porém, no rumo que vinha definindo para sua obra. Pelo contrário,
fará uma operação radical, ressuscitando, a partir das Memórias póstumas, o
velho tipo do narrador romântico intrometido, mas sem recusar o tratamento das
próprias “coisas mínimas e ignóbeis”.
Daí resulta alguma confusão, quando se fala
de Realismo e Naturalismo no Brasil. Da mesma forma que este último quase se
pode reduzir, na França, à figura de Zola, no Brasil o Realismo fica sendo
entre nós a literatura de Machado de Assis, por oposição seja às linhas de
continuidade romântica, seja à nova literatura naturalista.
Justamente aqui reside o problema, pois
Machado não é realista, do ponto de vista da forma e da fatura literária. Não
há nada mais distante dos pressupostos realistas do que um romance que se
propõe escrito por um morto ou uma narrativa em primeira pessoa, na qual um
sujeito expõe a sua miséria no amor e na vida. Nada menos “realista” – no
sentido que essa palavra tem para descrever um dado momento da história da
literatura – do que o completo ceticismo quanto à capacidade de a ciência
explicar o mundo, do que a ausência de determinismo genético como fator central
para o desenvolvimento da trama, do que o narrador digressivo, que dialoga
incessantemente com o leitor, se refere com frequência ao ato da leitura e da
escrita, abandona o fio da história a cada momento não para instruir o leitor
sobre algum tópico de interesse para a trama – como faziam os românticos –, mas
por mero capricho e graça.
Machado, assim, só pode ser denominado
“realista” num outro registro, mais amplo, que não diz respeito à forma, nem
aos pressupostos da literatura realista/naturalista, mas ao propósito de
retratar o movimento social.
Ao atribuir a Machado um lugar dentro do
Realismo no Brasil – classificação em que ele seguramente não se reconheceria
–, o quadro histórico e crítico da nossa literatura sofre uma distorção: as
obras realistas/naturalistas tendem a ser avaliadas por confronto com uma obra
(a de Machado) que se constrói noutro registro, com outros meios e
pressupostos. Disso resulta que, na nossa forma de contar a história literária,
não há aqui a mesma continuidade nem identidade parcial entre o Realismo e o
Naturalismo, compreendida esta última palavra como o conjunto de pressupostos e
objetivos sintetizados por Émile Zola em O romance experimental (1880), livro
que, apesar de bem conhecido, merece sempre ser retomado.
3. O romance experimental
Sob essa denominação, o volume comportava
sete trabalhos: “O romance experimental”, “Carta à juventude”, “O Naturalismo
no teatro”, “O dinheiro na literatura”, “Sobre o romance”, “Sobre a crítica” e
“A república e a literatura”.
Desses sete ensaios, o mais importante para a
compreensão da escola (para usar um termo do tempo que, neste caso, não parece
anacrônico) é o primeiro, que passamos a comentar.
O propósito principal do texto é afirmar a
necessidade e a viabilidade do tratamento científico da matéria narrada. Logo
no início, Zola apresenta o pensamento que subjaz à proposta de um romance
experimental: o exposto por Claude Bernard no seu livro Introdução ao estudo da
medicina experimental, publicado em 1865.
Após fazer um resumo das principais ideias de
Bernard, entre as quais ressalta a de que “há um determinismo absoluto nas
condições de existência dos fenômenos naturais, tanto para os corpos vivos,
quanto para os corpos brutos”, Zola formula a questão central do seu texto:
“será que em Literatura [...] a experiência é possível?”.[11]
Para responder a essa pergunta, Zola recorre
ainda a Bernard, segundo o qual existem ciências de observação, como a
astronomia, e de experimentação, como a química. A distinção entre ambas é que
o químico pode agir sobre o seu objeto de estudo, de modo a experimentar, isto
é, obter resultados e comprová-los por meio da repetição, da contraprova; e
pode variar as condições determinantes para obter novos resultados; já o
astrônomo não pode.
Embora do ponto de vista da sua relação com a
realidade da vida social, tudo levasse a crer que a literatura fosse assimilada
à ciência de observação, Zola vai propor que o romance constitui um exercício
de experimentação. Sua explicação para isso é que o romance é como uma
experiência de laboratório: colocam-se em um dado ambiente umas tantas personagens,
estabelecem-se as determinações biológicas de cada uma delas e se obtém um
desenvolvimento lógico, uma série de ações e/ou temperamentos que obedecem a
essas determinações.
O lugar do “experimental” é, como se pode
perceber, complicado no romance. Se o romancista tem liberdade de inventar
ambientes e caracteres, se não dispõe da possibilidade de repetir a
“experiência” para confirmar os resultados, nem trata de reescrever o romance
inúmeras vezes, alterando condições de modo a obter resultados que, juntos,
permitam elaborar leis ou teorias, em que consistiria de fato o seu caráter
experimental?
A resposta de Zola é esta:
[...] o romancista experimentador é,
portanto, aquele que aceita os fatos provados, que mostra, no homem e na
sociedade, o mecanismo dos fenômenos que a ciência domina, e que faz o seu
sentimento pessoal intervir apenas nos fenômenos cujo determinismo ainda não
está de forma alguma fixado, procurando controlar o mais que puder este
sentimento pessoal, esta ideia a priori, pela observação e pela
experiência.[12]
Como se vê, a experimentação, aqui, significa
algo muito diferente do que significava em Bernard e em qualquer outro pensador
da ciência do seu tempo. Isto porque há uma inversão na relação entre o
observador e o observado. Na observação e na experiência científica, trata-se
de abstrair constantes, leis, da consideração objetiva do objeto. No romance
experimental o conhecimento das leis e dos princípios antecede a construção do
enredo, que é desenvolvido de forma a não infringi-los, de forma a adequar-se o
mais possível a eles.
Isto é: aceitando os “fatos provados” e
conformando os episódios ao “mecanismo dos fenômenos”, tal como definidos pela
ciência, o que o romance experimental faz é construir um discurso que comprove
a possibilidade de obter verossimilhança a partir dos pressupostos científicos,
eliminando ou impedindo o surgimento de eventos ficcionais que não pudessem ser
explicados pelos pressupostos, embora fossem verossímeis em outro regime
discursivo.
Nisso reside sua principal reivindicação de
verdade e de atualidade – palavras que, por conta do paradigma científico de
base, terminam por se equivaler. Ou seja, a reivindicação principal do
Naturalismo de Zola é que a arte baseada na ciência será sempre mais moderna e mais
verdadeira do que a que constrói sua verossimilhança sobre outros pressupostos
e convenções, cujo valor científico não é reconhecido. É o que se lê nesta
passagem:
Fica bem entendido que, todas as vezes que
uma verdade é fixada pelos cientistas, os escritores devem abandonar
imediatamente sua hipótese para adotar essa verdade; em caso contrário, eles
permaneceriam por parti pris no erro, sem benefício para ninguém. É assim que,
à medida que avança, a ciência nos fornece, a nós escritores, um terreno sólido
no qual devemos nos apoiar para lançar novas hipóteses. [...] Tomo um exemplo
muito simples, para melhor me fazer compreender: está provado que a terra gira
em torno do sol; o que se pensaria de um poeta que adotasse a antiga crença, o
sol girando em torno da terra?[13]
Zola insiste nesse ponto, e torna clara a
ambição científica que fundamenta o caráter experimental que propugna para o
seu romance:
Em nosso romance experimental, poderemos
muito bem arriscar hipóteses sobre as questões de hereditariedade e sobre a
influência dos meios, após termos respeitado tudo o que a ciência sabe hoje
sobre a matéria. Prepararemos os caminhos, forneceremos fatos de observação, documentos
humanos que poderão se tornar muito úteis.[14]
Para Zola, como se vê, essa forma de conceber
a criação literária permitiria fazer do romance a vanguarda da ciência, pois o
escritor poderia valer-se da sua liberdade criativa para ensaiar desenvolvimentos
e explicações para as ações das personagens que, por sua vez, antecipassem as
conclusões científicas. A ambição última de Zola é, portanto, utilizar os
pressupostos, o método e as conclusões científicas como instrumentos para
promover o romance à categoria de atividade de valor científico. No caso, o
romance inauguraria um novo tipo de psicologia. À psicologia romântica,
centrada nos movimentos anímicos do herói em contraposição ao meio, sucederia,
por obra do romance experimental, a “psicologia científica”, que Zola entendia
como uma derivação da fisiologia e das condições objetivas do ambiente: “o
homem metafísico está morto – escreveu ele –, todo o nosso terreno se
transforma com o homem fisiológico”.[15]
Dessa ambição e desses pressupostos derivam
dois traços salientes do estilo naturalista: a base fisiológica das metáforas e
comparações, pois o homem é compreendido principalmente como um organismo
determinado pela herança genética e pelo meio em que se move; e o pendor
descritivo, que constitui, mais do que um traço de gosto, uma questão central
de método.
A opção pelas metáforas biológicas não é
originalidade do Naturalismo. Já Balzac delas fazia largo uso. Tanta
importância tinham elas para o autor de Eugênia Grandet, que ele tratou de
explicitar o seu papel seminal na composição da Comédia Humana. Eis como
escreveu, num prefácio de 1842:
A ideia primeira de A Comédia Humana [...]
nasceu de uma comparação entre a humanidade e a animalidade. [...] Não há senão
um animal. O Criador se serviu de um só e único padrão para todos os seres
organizados. O animal é um princípio que adquire sua forma exterior, ou, para
falar com mais rigor, as diferenças de sua forma, nos meios em que ele se
desenvolve. As espécies zoológicas resultam dessas diferenças. [...]
Compenetrado desse sistema, muito antes dos debates aos quais deu ensejo,
compreendi que, desse ponto de vista, a sociedade se assemelhava à natureza.
Não transforma a sociedade o homem, segundo os meios em que se desenvolve sua
ação, em outros tantos indivíduos diferentes, à semelhança das variedades em
zoologia? [...] Existiram pois, e existirão sempre, espécies sociais, como há
espécies zoológicas. Se Buffon fez um trabalho magnífico tentando apresentar
num livro o conjunto da zoologia, não seria desejável fazer-se uma obra desse
gênero com relação à sociedade?[16]
O que é novo no Naturalismo é antes a
intensificação da recorrência dessas metáforas e, principalmente, o emprego da
linguagem crua e direta para representar a motivação biológica dos atos
humanos.
Desse predomínio da explicação biológica
resulta a outra característica do estilo naturalista, que é a abundância e
grande pormenorização das descrições de ambientes. Nas palavras de Zola:
Os romancistas naturalistas descrevem muito,
não pelo prazer de descrever, como são censurados, mas porque entram na sua
fórmula circunstanciar e completar a personagem pelo meio. O homem não é mais
para eles uma abstração intelectual, assim como o consideravam no século XVI; é
um animal pensante, que faz parte da grande natureza e que está submetido às
múltiplas influências do solo em que ele cresceu e em que vive. É porque um
clima, uma região, um horizonte, um quarto têm frequentemente uma importância
decisiva. Portanto, o romancista não separa mais a personagem da atmosfera em
que ela se move; não descreve por uma necessidade de retórica, como os poetas
didáticos, como Delille, por exemplo; nota, simplesmente, a cada hora, as
condições materiais nas quais agem os seres e se produzem os fatos, com o fito
de ser absolutamente completo, de abranger em sua investigação o conjunto do
mundo e de evocar a realidade inteirinha.[17]
De tal conjunto de pressupostos deriva também
a proposição de um tipo preferencial de narrador, cujo modelo é o cientista – o
médico, para ser mais exato. É o clássico tipo do narrador em terceira pessoa,
objetivo e neutro – com a vantagem, sobre o cientista, de ter sobre o seu
objeto um ponto de vista onisciente, isto é, de ser capaz de expor com
autoridade não apenas as cenas observáveis de fora, mas também os pensamentos e
movimento interiores das personagens. E resulta, sobretudo, a afirmação
reiterada de uma nova verossimilhança, com base agora não mais na reflexão
filosófica ou religiosa sobre a natureza humana, ou no exame psicológico, no
estudo das paixões, mas nas teses biológicas que a ciência do tempo sustentava
contra os antigos paradigmas científicos.
A influência de Zola foi incalculável e, em
toda parte, ser realista passou a significar cada vez mais o que hoje
denominamos “naturalista”, isto é, ser um adepto de suas teorias e seus
métodos. Consequentemente, ser mais ou menos naturalista era uma questão de
estar mais ou menos afinado com a ortodoxia por ele e por sua obra definida.
4. O Naturalismo no Brasil, ou o Brasil como
intermediário
No Brasil, o Naturalismo começou a ser
assunto importante – como vimos – quando Eça de Queirós publicou O primo
Basílio, em 1878. A publicação de O crime do padre Amaro não causara comoção,
mas a história do adultério de Luísa com Basílio, a descrição de suas aventuras
sexuais – com destaque para uma cena de sexo oral – fizeram do livro um motivo
de escândalo, embora (ou talvez justamente porque) tenha tido enorme sucesso de
público e de crítica.[18] O debate sobre a nova escola centrou-se tão
fortemente na obra de Eça que um conhecido historiador da literatura dedica à
obra do escritor português (com algumas pinceladas sobre o Naturalismo em
Portugal) 157 das 248 páginas de seu livro intitulado precisamente O
Naturalismo no Brasil – ou seja, mais da metade do volume.[19]
O lugar de Eça no Realismo se define, como
perspectiva literária, nas famosas conferências de 1871, realizadas no Casino
Lisbonense. No grupo de autores congregados à volta de Antero de Quental
destacava-se, para o que interessa a este texto, Eça de Queirós. Foi a ele que
coube pronunciar a conferência intitulada “O realismo como nova expressão na
arte”.
Dessa conferência apenas nos restaram resumos
de terceiros. Mas seus pontos principais são claramente identificáveis:
primeiro, a afirmação de que o romance moderno deveria fundar-se sobre a
observação e a análise e, portanto, escolher os seus temas em sincronia com o
tempo da escrita: “o realismo deve ser perfeitamente do seu tempo, tomar a sua
matéria na vida contemporânea”.[20] Seus objetivos são examinar a sociedade e o
indivíduo, proceder à “crítica dos temperamentos e dos costumes” e tornar-se
“auxiliar da ciência e da consciência”, comprometendo-se por essa via com a
verdade e a promoção da justiça social.[21]
Longe ia o tempo em que Flaubert podia
dedicar-se à redação de um romance situado na velha Cartago. Agora, para a nova
geração, o estudo do passado era objeto de outra forma de conhecimento, com
métodos e técnicas diferenciados: a ciência histórica. No domínio propriamente
literário, como fica evidente na conferência de Eça, a novela histórica (que
ele explicitamente nomeava: Eurico, O Monge de Cister, A Mocidade de D. João V,
O Arco de Sant’Ana) era recusada como gênero viável, atribuindo-lhe o
conferencista a sua falsidade e inferioridade enquanto obra literária digna de
atenção. E se há uma constante na obra romanesca de Eça é esta: a matéria é
sempre contemporânea, cabendo à novela histórica, gênero de predileção
romântica, apenas o lugar de sátira e pastiche, como se vê em A ilustre casa de
Ramires.[22]
Além de Eça de Queirós, avulta, no quadro do
Realismo português, a obra de Abel Botelho, cujo Barão de Lavos (1891),
centrado no homossexualismo da personalidade que lhe dá o título, pode ser
visto como fiel aplicação do receituário de Zola. Mas nem de longe Botelho
teve, no Brasil, uma presença minimamente comparável à de Eça. Talvez porque,
contra o vitalismo telúrico de O cortiço, mais se percebesse como defeito o
relativo amaneiramento da escrita de Botelho, cujo gosto descritivo de pendor decadentista
convive de maneira tensa e não totalmente resolvida com o programa realista de
verberar os vícios sociais.
Entre nós, coube a Aluísio Azevedo o lugar
convencional de iniciador do Naturalismo, com a publicação do romance O Mulato,
em 1881. Não é de seus livros melhores, nem dos mais interessantes que se
publicaram no âmbito do Realismo/Naturalismo no Brasil, mas teve o mérito de
causar sensação em sua cidade natal e no Rio de Janeiro, por conta do tema e da
linguagem crua. Nos anos seguintes, a par de vários títulos de apelo ainda
romântico, Aluísio publicará três livros marcantes e bem realizados: Casa de
pensão, em 1884, O homem, em 1887, e O cortiço, em 1890.
Se essas são as balizas cronológicas da
produção do nosso maior naturalista, fica evidente que o movimento teve
aparecimento relativamente tardio na literatura produzida por brasileiros, pois
já quando da publicação da primeira dessas obras, Eça de Queirós – por exemplo
– dificilmente poderia ser ainda denominado naturalista. De fato, o autor
português publicara, dois anos depois de O primo Basílio, uma novela
fantástica, intitulada O Mandarim (1880), que em nada se parece aos seus dois
primeiros livros e que anuncia uma forte alteração nos rumos da sua obra, que
se afastará dos preceitos da escola e ganhará maior variedade de tom – com
destaque para a ironia mordente, em vez da descrição desapaixonada – e,
principalmente, de construção do narrador.
Daí que alguma crítica tenda a discernir duas
vertentes no Naturalismo brasileiro, a partir da influência de Eça e do recorte
de sua obra, quando da afirmação da escrita naturalista entre nós. É o caso de
Sodré:
O naturalismo do Eça, na verdade, ficou longe
do modelo rigoroso, não se acomodou às normas ortodoxas. No Brasil, as
influências se bifurcam, claramente: há os imitadores de Zola e há os
imitadores de ambos, mas é a exceção.[23]
Não vale a pena discutir aqui os termos em
que o crítico apresenta a questão. Basta registrar que, com maior ou menor
afastamento em relação aos preceitos de Zola, um conjunto significativo de
livros publicados no final do século XIX no Brasil pode ser denominado
naturalista, se essa expressão designar romances nos quais a história está
centrada na determinação dos comportamentos ou temperamentos das personagens pelo
meio social e pela herança biológica e a narração é conduzida por um narrador
objetivo, não personalizado e onisciente.
Nesse sentido, são pontos altos do
Naturalismo no Brasil – além dos romances O homem, Casa de pensão e O cortiço,
de Aluísio Azevedo – Bom-Crioulo (1895) e A normalista (1893), de Adolfo
Caminha, O missionário (1891), de Inglês de Sousa, bem como A carne (1888), de
Júlio Ribeiro. Já O Ateneu, que integra esta coletânea, pela própria forma de
ordenação do discurso ficcional, pertence já a outra família romanesca, como
veremos.
Alguns desses livros experimentaram sucesso
de público e/ou de crítica – mas apenas O cortiço mereceu valorização constante
e unânime. Uma explicação para o fato não pode deixar de levar em conta o
óbvio: a alta qualidade do romance de Azevedo, que o destaca dentre os
contemporâneos; mas tampouco deve ignorar que, no Brasil, a história do
Naturalismo foi contada a partir de dois focos de atenção, que operaram sobre
ele uma seleção violenta, tornando-o até hoje objeto de uma descrição
deficiente: por um lado, o Naturalismo foi visto dentro dos pressupostos de uma
forma de avaliar o sentido e a função da literatura brasileira que nasceu com
os românticos, empenhados na construção simultânea da literatura e do país, e que
perdura até hoje; por outro, foi submetido à sombra de Machado de Assis, que se
tornou entre nós o modelo do romance oitocentista “realista”.
O resultado é que se destacaram, do
Naturalismo, quase exclusivamente aqueles livros nos quais o documento da especificidade
brasileira, o retrato da sociedade, a reflexão sobre a estrutura da nação vêm
para primeiro plano, e se condenaram ao desinteresse aqueles em que o
determinismo ocupa um lugar central na constituição dos temperamentos. Nesse
quadro, O cortiço naturalmente sobressai – e, dessa perspectiva, torna-se um
dos poucos romances capazes de brilhar ao lado das obras-primas de Alencar e de
Machado.
Essa particular interpretação do Naturalismo
e a valorização de uma obra a partir da exigência de representação da
nacionalidade encontram a mais forte realização em Antonio Candido:
Mas em outro nível, não será [o cortiço]
também antinaturalisticamente uma alegoria do Brasil, com a sua mistura de
raças, o choque entre elas, a natureza fascinadora e difícil, o capitalista
estrangeiro postado na entrada, vigiando, extorquindo, mandando, desprezando e
participando?[24]
Para o crítico, “é visível que a carreira de
João Romão tem para o romancista um caráter de paradigma, inclusive devido à
reação suscitada no brasileiro mais ou menos ressentido pela constituição das
fortunas portuguesas naquele tempo”. Também é visível para ele que a acumulação
de dinheiro pelo vendeiro “assume para o romancista a forma odiosa da
exploração do nacional pelo estrangeiro” – no caso, o vendeiro passa a ser, no
quadro alegórico que constitui a sua interpretação do romance, o “capitalista
estrangeiro postado na entrada” (do cortiço-Brasil).[25]
Nessa linha de leitura, que vem da crítica
brasileira do século XIX e atravessa, dominante, boa parte do XX, a
especificidade do Naturalismo entre nós (como também a dos movimentos que o
antecederam ou sucederam) reside no anseio ou na fatalidade de buscar a
representação alegórica ou metonímica do Brasil. Assim, por exemplo, para
Antonio Candido, enquanto Zola apresentaria um cortiço parisiense sem pretensão
alegórica, Aluísio, “em vez de representar apenas o modo de vida do operário,
passa a representar, através dele, aspectos que definem o país todo”. É o que
ele denomina “o Brasil como intermediário” e que, em última análise, se
diminuiria “o alcance geral do romance de Aluísio”, “aumentaria o seu
significado específico”. Ou seja, aumentaria o seu valor nacional.[26]
“O Brasil como intermediário” é, na verdade,
um lema da crítica brasileira que se solidifica a partir do Romantismo e que
termina, nos últimos anos do século passado, por definir o cânone literário.
Por conta dessa suposição que, desde os primeiros anos do século XX, funciona,
criticamente, como prescrição de valor, os romances nos quais a crítica não
pode postular “o Brasil como intermediário” terminaram por ser vistos apenas
como matéria teratológica, alienada ou falta de importância.
A esse respeito, escreveu Flora Süssekind:
A exigência de uma sintonia nítida entre
literatura e vida nacional, de uma literatura que “documente” o que ocorre no
país, aponta para o fato de a crítica literária brasileira ter sido geralmente
“mais realista que o rei”. Não é só como programa literário de romancistas em
momentos diversos de nossa história que surge o naturalismo. Ele tem sido,
sobretudo, um parâmetro crítico. Normativamente tem servido para a exclusão e o
esquecimento de escritores e obras menos documentais, e para o privilégio
daqueles que “representem” claramente a nacionalidade.[27]
E no que toca especificamente ao romance
naturalista, de que a peneira crítica exclui romances notáveis e de grande
sucesso de público, a mesma autora diz:
Seriam, no entanto, tais estudos de
temperamento tão fora de propósito, tão afastados da sociedade brasileira? Se o
fossem como se explica, então, o seu sucesso? Por que fizeram escola? Por que a
preferência pelas “nevropatas” em detrimento de personagens coletivos ou
romances cujo cenário fosse mais amplo do que uma típica casa de família? Seria
possível, ainda, considerarmos gratuita tal preferência, quando a associamos à
voga cientificista e ao desenvolvimento de uma medicina do comportamento no
final de século?
Por certo não era gratuita. Mas não creio que
a voga da medicina do comportamento dê conta de explicar o gosto pelos estudos
de temperamento, mormente aqueles centrados numa figura feminina histérica,
como é o caso do grande sucesso de Aluísio Azevedo, O homem.
Nesse romance, a doença tem clara função
literária: dentro do quadro da verossimilhança naturalista (isto é, trata-se de
uma mulher histérica, que sofre continuada alucinação de natureza erótica), o
escritor pode montar uma narrativa de alto grau de erotismo kitsch romântico.
Mas não se trata de crítica aos modelos românticos ou de paródia do estilo
romântico – como em Eça. Antes o que vemos é o autor se valer do quadro
científico para dar vazão à sensualidade enquadrada na natureza tropical –
carregada de tintas pitorescas e de lugares-comuns tão evidentes como poucos
românticos ousariam pintar, a tal ponto que as cenas de delírio parecem
pastiche. Como bem observou Araripe Jr., mas em tom de reprovação, Aluísio
Encontrando entre os fenômenos descritos
pelos médicos o caso da vida dupla e dos sonhos contínuos, não se pôde conter
mais nos moldes estreitos da monografia; asfixiado, atirou-se por essa janela
aberta à sua imaginação, abandonou as deduções científicas e, do meio do
romance para o fim, fez-se de vela em um idílio soberbo, voluptuoso, quente,
oriental, brilhante de todas as luzes tropicais, e tão pulverizado de íris como
uma verdadeira embriaguez de haxixe.[28]
Nesse sentido, a presença da histérica é o elemento
de garantia, de verossimilhança capaz de permitir o retorno do reprimido. Desse
ponto de vista, O homem é um espelho de O cortiço: nele, a linguagem do sol e
da vegetação exuberante serve, dentro do desvario da personagem, à construção
de uma utopia erótica; já em O cortiço, o sol é o culpado de todas as
bestialidades e rebaixamento do conjunto humano que é seguidamente comparado a
uma esterqueira.
No começo da sua carreira, Azevedo se
queixava de que a crítica demandava romances naturalistas, enquanto o público
era guloso por romances românticos. Por meio do centramento da narrativa nas
alucinações da histérica, e do rígido enquadramento dos sintomas no quadro de
conhecimento da época, num romance em que a personagem mais razoável parece
justamente o médico que diagnostica o mal, Aluísio conseguiu atender, num só
livro, às duas demandas e obter, assim, o favor do público. Já a crítica,
dominada pelo imperativo do Brasil como intermediário, reagiu mal à
ressurgência romântica disfarçada em doença mental, e foi pouco entusiasta com
o novo livro, embora não o condenasse com a violência com que condenou A carne,
de Júlio Ribeiro.
Este, por sua vez, foi provavelmente o livro
mais vilipendiado da literatura brasileira, saudado por José Veríssimo como
“parto monstruoso de um cérebro artisticamente enfermo”[29] e expulso do
domínio literário por Álvaro Lins:
Júlio Ribeiro não chegou sequer a ser um mau
romancista. Na verdade, não foi um romancista de espécie alguma. [...] Tudo
neste livro é tão absolutamente bête que não há nele o menor lugar para a
imoralidade. Não há lugar para sentimento nenhum, pois toda a sua leitura
provoca uma invencível repulsa de ordem intelectual. Somente para os
adolescentes e os imbecis A carne poderá ser um “excitante”. Literariamente, é
um livro que só nos deixa indiferença ou aborrecimento. Ou mais exatamente:
para a literatura este livro não existe. [...] Falando, pois, de Júlio Ribeiro,
como romancista, não tenho outro fim senão o de propor que ninguém o faça mais
nunca. A presença de Júlio Ribeiro na história do romance brasileiro é um
equívoco. Júlio Ribeiro é um autor fora da literatura.[30]
Poucos, como Manuel Bandeira, viram nesse
livro uma obra de valor. O que diz mais sobre os leitores do que sobre o
romance, cujo maior defeito talvez seja o de apresentar, como personagem
central, uma mulher (digamos) pervertida, que não termina morta, nem louca.
Muito se falou sobre o escândalo da representação sexual nesse romance, mas, na
verdade, se há algo que logo salta aos olhos, durante a leitura, é que o título
é inadequado. De carne afinal há proporcionalmente pouco nesse livro
intensamente erótico, mas no qual o erotismo é inteiro transposto na relação
intelectual entre um homem culto, isolado numa fazenda, e uma mulher inteligente
e liberta dos preconceitos de época e gênero.
É verdade que o quadro poderia ser arguido de
inverossímil no Brasil de fins do século XIX. A questão aparece, desde logo, em
Araripe Jr.:
Pode a muita gente parecer que este tipo de
Lenita não passa de um tipo impossível. [...] Não chicanarei com Júlio Ribeiro,
exigindo dele os documentos da existência dessa rapariga tão sensual, tão sábia
e tão destemida. Basta que o autor me prove, pela intensidade da pintura, que a
viu em qualquer parte.[31]
Mas não foi esse o ponto de escândalo e sim o
caráter amoral da mulher e o ostensivo didatismo do romance, que é, de outro
ponto de vista, o seu ponto forte: em A carne – que talvez pudesse intitular-se
com mais propriedade O cérebro – é o conhecimento científico e artístico que
constitui o núcleo da relação erótica. Barbosa e Lenita são como o mestre e o
discípulo de uma relação platônica, na qual o mestre caísse ao final
prisioneiro do corpo do discípulo, que o supera inclusive no espírito. É essa
brutal inversão de papéis e valores – aliada à imoralidade que constituiria a
nenhuma punição para Lenita – que talvez responda pela aversão da crítica, que
foi diretamente proporcional ao sucesso de público.
Um livro que não é mais bem realizado que A
carne, mas que tem merecido maior benevolência crítica é O missionário, de
Inglês de Sousa. Trata-se de outra maneira de conjugar as expectativas
românticas com o tratamento naturalista. O estudo da transformação fatal do
padre, sob o efeito da sua carga hereditária combinada às circunstâncias de sua
vida nos sertões, se dá com fortes ressaibos do regionalismo exotista
romântico, em que os termos pitorescos e o cenário descrito ostensivamente para
um leitor exógeno dão ao livro um colorido de compêndio amazônico. Talvez se deva
a esse compromisso, que ressurgirá algo matizado mais tarde no chamado romance
nordestino de 1930, a maior repercussão relativa do romance, em face de outros
de seu tempo.
Dos romances enfeixados neste volume, o único
que poderia pretender ombrear-se com O cortiço no solo naturalista é
Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha. Em relação à escola, é um livro tardio (1895) e
talvez seja justamente esse fato que lhe permita tão desassombradamente tratar
do homossexualismo no quadro de verossimilhança naturalista e sem recurso a
conciliações românticas. Em certo sentido, completa-se aqui o movimento
iniciado com O cortiço, no que diz respeito à representação da sexualidade das
classes populares. Mas com uma diferença essencial: enquanto no romance de
Aluísio a posição do autor diante do que descrevia vinha decididamente ao
primeiro plano (por meio dos adjetivos e da forma mesma da representação),
Caminha tem um ponto de vista mais ambivalente na exposição dos comportamentos,
como se as determinações objetivas estivessem sempre a um passo de se revelarem
insuficientes para explicar plenamente o rumo e o sentido da ação. A esse
respeito, observa com acuidade Salete de Almeida Cara, num texto de renovação
crítica sobre o romance:
Bom-Crioulo dá resposta radical, nos termos
brasileiros, ao melhor romance naturalista, aquele que Émile Zola enfeixa no
seu ciclo dos Rougon-Macquart, como veremos adiante. É inédito seu alcance
crítico, que vai além das tematizações mais evidentes, e a despeito (ou
justamente por causa) das suas ambiguidades. Tanto o narrador ambivalente
quanto os difundidos preceitos naturalistas acabam postos à prova pelo
desenrolar do enredo, pelo comportamento e falas de Bom-Crioulo e das outras
personagens, figurantes ou centrais. [...] As marcas naturalistas, facilmente
percebidas, se inscrevem no núcleo duro dessa prosa narrativa para serem
desmentidas. Uma condenação do homossexualismo, como o próprio Adolfo Caminha
escreve para defender seu romance das acusações que sofria? Ao contrário disso,
o escritor não sucumbiu ao padrão médico oitocentista, que relacionou
homossexualismo e perversão. A história de Bom-Crioulo, a despeito dos
preconceitos de época e dos valores científicos e morais em circulação, apanha
esses mesmos preconceitos e valores como problemas, como forças disseminadas
naquela faixa da vida brasileira que o romance descreve, e que impedem, também
entre a classe popular, que se cumpra um melhor destino para uma figura como
Amaro, vulgo Bom-Crioulo.[32]
Encerra esta coleção de romances notáveis
aquele que talvez seja o mais rico de todos, cuja atualidade é mais evidente,
do ponto de vista da fatura literária. Trata-se de O Ateneu, a que só o costume
permitirá classificar junto com os outros, tal é a distância a que o estilo e a
forma de construção narrativa o colocam do padrão naturalista.
Mais próximo, pela acuidade da construção
psicológica e da exposição perversa que o narrador faz da própria história, de
Machado de Assis do que de outro escritor nacional, O Ateneu completa, entre
nós, a transição do Naturalismo para o Impressionismo.
Como mostra Lêdo Ivo, num estudo precioso
sobre a poética de Raul Pompeia, para os contemporâneos não houve dúvida da
singularidade do romance: Sílvio Romero anotou, na sua História da literatura
brasileira, que o livro de Pompeia era “psicologismo idealista com tendências
simbólicas”, Araripe Jr. aproximou-o de Mallarmé, ressaltando o seu
simbolismo,[33] e Agripino Grieco considerou seu autor “o primeiro talvez dos
impressionistas da nossa prosa”. Lêdo Ivo, por sua vez, escreveu:
O Ateneu proclama, às escâncaras, a
hostilidade de Pompeia aos usos estéticos fundamentados na cópia servil da
natureza. Ele não copiou a natureza nem os homens, como o queriam os
naturalistas, e sim os reinventou, com a sua sensibilidade sismográfica que
sabia captar as impressões mais fugazes, criando um deslumbrante mundo verbal,
num desafio ao mundo natural. Seu estilo, empenhado em, mallarmeanamente,
Donner un sens plus pur aux mots de la tribu, não é apenas um maneirismo
literário.[34].
E a leitura desarmada do romance, embora
reconheça os ressaibos naturalistas de algumas passagens (que a história da
composição do livro em três meses, a partir de material produzido em época
anterior, ajuda a compreender), termina por concordar ainda com esta formulação
do crítico, na qual, se há algum exagero, há também acerto:
É O Ateneu um romance poemático, muito mais
próximo do realismo mágico dos nossos dias do que do naturalismo de um Zola;
muito mais perto do impressionismo moderno de um Alain Fournier, de um Jean
Giraudoux e de uma Virginia Woolf, pelo seu empenho em captar o fluir do tempo
e da memória e de exprimir a fusão das almas e dos lugares, do que dos
programas tabelionáceos de tumultuário levantamento do documento social e humano
e das ilusões do romance experimental. E sem nenhum vínculo com as efusões
líricas dos romances “poéticos” de seu predecessor José de Alencar.[35]
Na fortuna crítica de O Ateneu, a ênfase da
leitura recai usualmente sobre a representação da escola oitocentista e não
foram poucos os que identificaram diretamente o colégio retratado no romance a
um famoso colégio existente no Rio de Janeiro. A redução desse romance
excepcional a um retrato sarcástico da educação brasileira é uma recorrência do
procedimento crítico que acima identificamos por meio do lema “o Brasil como
intermediário”.
Embora tal programa geral de leitura possa
talvez garantir o prestígio de alguns poucos romances, sem outro interesse que
o caráter documental, deve ter ficado claro que, aplicado aos dois principais
livros de hábito identificados ao Naturalismo, ele produz uma leitura
empobrecedora – e, por não aplicar-se a outros, como O Homem e A Carne, termina
por praticamente negar-lhes valor literário; por fim, é incapaz de ressaltar o
interesse de um livro notável como Bom-Crioulo.
Do que foi dito nestas páginas introdutórias,
se elas conseguiram seu objetivo, ressalta uma questão importante: passado mais
de um século, a história do Realismo/Naturalismo no Brasil ainda está em grande
parte por contar de modo adequado e compreensivo, com melhor e mais desarmada
leitura, fora do projeto romântico de aferir a qualidade das obras segundo a
sua capacidade de representação do nacional. Paulo Franchetti – Brasil
_______________________________
Paulo
Franchetti
- Professor titular do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, crítico
literário, escritor.
[1] A. J. Saraiva e Óscar Lopes. História da
literatura portuguesa. 17a ed. Porto: Porto Editora, 1996, p. 658.
[2] Erich Auerbach. Mimesis. São Paulo:
Perspectiva, 1976, p. 431.
[3] Idem, pp. 446-7.
[4] Gustave Lanson. Histoire de la
littérature française. Paris: Librairie Hachette, s/d, p. 802, tradução minha.
[5] Poucos anos depois, Madame de Staël (cuja
primeira obra de relevo foi justamente sobre Rousseau) dará a público De la
littérature, que, ao propor uma diferenciação entre as literaturas do norte e
do sul com base na determinação do clima e da paisagem, constituirá a primeira
sistematização de amplo alcance sobre o poder determinante do ambiente físico
sobre a conformação do espírito.
[6] Apud Erich Auerbach, op. cit., p. 448.
[7] J.-H. Bornecque, e P. Cogny. Réalisme et
naturalisme – l’histoire, la doctrine, les ouevres. Classiques Hachette. Paris:
Librairie Hachette, 1958, p. 15.
[8] Idem, p. 40.
[9] Pierre Cogny. Le naturalisme. Paris:
Presses Universitaires de France, 1976, 5a edição, pp. 6-7. O próprio trabalho
de Cogny constitui uma demonstração de como a questão de distinguir o
Naturalismo do Realismo se tornou complexa. Na primeira edição desse livro, em
1953, o autor não se sentiu chamado a refletir tão longamente sobre ela.
[10] Idem, p. 15.
[11] Zola, Emile. O romance experimental...,
p. 29.
[12] Idem, p. 75
[13] Idem, p. 73
[14] Idem, p. 74
[15] Idem, p. 75. É possível pensar que o
lugar que o criador do “romance experimental” previa para o romance será
ocupado, pouco depois da sua morte, por outra “psicologia científica”: a
psicanálise. E é mesmo muito plausível que o triunfo da psicanálise seja uma
das principais causas da drástica diminuição do interesse pelo romance
naturalista a partir dos primeiros anos do século XX.
[16] Honoré de Balzac. “Prefácio”, em Obras
escolhidas. Tradução de Vidal de Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1955,
pp. 9-11.
[17] “O naturalismo no teatro”. Em Zola, E. O
romance experimental, op. cit., p. 131.
[18] Ver, a propósito, a apresentação do
volume O Primo Basílio, nesta mesma coleção. Também poderá ser consultado o
capítulo “O primo Basílio e a batalha do realismo no Brasil”, em Paulo
Franchetti, Estudos de literatura brasileira e portuguesa. Cotia: Ateliê, 2007.
[19] Nelson Werneck Sodré. O Naturalismo no
Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
[20] E continua: “Deste princípio, que é
basilar, que é a primeira condição do realismo, está longe a nossa literatura.
A nossa arte é de todos os tempos, menos do nosso”. Eça de Queirós: “A
literatura nova (o Realismo como nova expressão da arte)”. In: António Salgado
Jr. História das Conferências do Casino. Apud Maria Aparecida Ribeiro. História
crítica da literatura portuguesa (vol. VI). Lisboa: Verbo, 1994, p. 94.
[21] Eça de Queirós: “A literatura nova (o
Realismo como nova expressão da arte)”, op. cit., p. 94. Sobre a questão da
verdade e da falsidade em literatura, veja-se, p. ex., esta passagem da mesma
conferência: “... quando a ciência nos disser: a ideia é verdadeira; quando a
consciência nos segredar: a ideia é justa; e quando a arte nos bradar: a ideia
é bela, teremos a obra de arte superior. Do contrário teremos uma obra falsa,
fora do momento, da verdade, etc.” Id. Ibid, p. 94.
[22] Já nos contos, o último Eça não manterá
o princípio, como mostram as vidas de santos.
[23] Idem, p. 154.
[24] Antonio Candido. “De cortiço a cortiço”.
Em O discurso e a cidade. São Paulo/Rio de Janeiro: Duas Cidades/Ouro sobre
azul, 2004, 3a ed, p. 117.
[25] Idem, p. 111. Sobre essa linha de
interpretação, ver a minha apresentação a O cortiço. Cotia: Ateliê, 2012.
[26] A ideia é recorrente na crítica
brasileira. Nelson Werneck Sodré, por exemplo, escreveu: “Só a identidade das
estruturas sociais permite influências artísticas contemporâneas fecundas. Essa
identidade não existia. Por isso, o naturalismo brasileiro é tanto mais falso
quanto mais se esforça por aproximar-se da receita externa, e tanto mais válido
quanto se atém às influências peculiares ao meio nacional. Salva-se, assim, na
medida em que, a rigor, não é naturalismo”. Em O Naturalismo no Brasil, cit.,
p. 232.
[27] Flora Süssekind. Tal Brasil, qual
romance? Rio de Janeiro: Achiamé, 1984, p. 122.
[28] Araripe Jr. “Zola e Aluísio Azevedo”.
Texto de 1888, reproduzido em Obra Crítica de Araripe Jr., vol. II. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1960, p. 89.
[29]José Veríssimo. “O romance naturalista no
Brasil”. Texto de 1889, reproduzido em Teoria, crítica e história literária.
João Alexandre Barbosa (org.). Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos
Editora, 1977, p. 188.
[30] Álvaro Lins. Jornal de crítica – segunda
série. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943, pp. 152, 153 e 154, respectivamente.
[31] Araripe Jr. “A Carne, por Júlio Ribeiro”.
Texto de 1888, reproduzido em Obra Crítica de Araripe Jr., vol. II. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1960, pp. 123-4.
[32] Salete Almeida Cara. “Apresentação” a O
Bom Crioulo. Cotia: Ateliê Editorial, 2013 (no prelo).
[33] Em vários pontos de seus ensaios de
1888, Araripe aproxima Pompeia dos simbolistas e de Mallarmé. Por exemplo,
neste: “Destas palavras resulta que o autor d’O Ateneu, deixando-se levar
gradualmente pelas linhas místicas do seu temperamento, terminou por encontrar-se,
em plena visão órfica, com o poeta de L’après-midi d’um faune, o grande
Mallarmé”. Op. cit., p. 142.
[34] Lêdo Ivo. O universo poético de Raul
Pompeia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1996, 2a edição, p. 71.
[35] Idem, p. 89.
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