“O Erasmus em Lisboa veio reforçar mais ainda
a minha visão internacional do galego. Estar cá permitiu-me aceder mais
profundamente à cultura, à história e à língua portuguesas. E é desse novo
conhecimento que possuo, das minhas vivências pessoais e das minhas novas
amizades portuguesas que acredito, ainda mais (se isso for mesmo possível!) na
internacionalidade do galego. Para além de aspectos linguísticos, o facto de
estar a estudar Estudos Portugueses / Lusófonos em Lisboa, ofereceu-me a
possibilidade de aceder, sobretudo, à história e à cultura portuguesas. Se
linguisticamente, os galegos e os portugueses não somos tão diferentes como a
gente nos quer fazer ver, culturalmente e historicamente também não!
Compartilhamos uma história comum e culturalmente, os portugueses são como os
galegos. Eles têm “chacota”, que seria, em termos culturais, a nossa
“retranca”, igual de pungente do que a nossa; eles, pessoalmente, são
desconfiados e fechados no princípio, no mesmo sentido do que o genérico dos
galegos; os portugueses também tendem a desvalorizar a sua língua e cultura a
favor do inglês e mesmo do espanhol. É muito conhecida a relação histórica
entre o Reino Unido e Portugal. Em geral, e a diferença de nós, os portugueses
têm um bom nível de inglês por causa da sua estreita relação com este país e
também devido a disporem de muitos canais de televisão integramente em inglês e
legendados em português. A maior parte dos filmes e das séries mantêm-se na sua
língua de origem, que usualmente é o inglês. Por outro lado, o intercâmbio e a
relação cultural com Espanha também é bastante forte aqui. Não é nada estranho
ver nos quiosques de Portugal imprensa espanhola ou em espanhol. Possivelmente
por isto, e também pelo facto de Portugal ser um país economicamente mais pobre,
os portugueses consideraram a sua cultura e a sua língua inferiores a qualquer
outra, em destaque à espanhola e à inglesa.
Os galegos não nos diferenciamos nisto mesmo.
Muitos ainda consideram o galego ou o português da Galiza inferior e sem valor.
Preferem aprender qualquer outra língua antes que o galego e a sua obsessão
pelo inglês é tanta quanta a dos portugueses. Outra coisa que nos diferencia
dos portugueses é que estes têm um espírito realmente europeu. Eles sim são
europeus e não os galegos ou os espanhóis! Outro aspecto interessante é que os
portugueses aceitam com boa vontade o plurilinguismo, a diversidade linguística
e cultural... algo que os distingue rotundamente dos habitantes do estado
espanhol. Um exemplo claro disto é que a pessoa portuguesa gosta de falar a
língua do estrangeiro e muitos se esforçam para isso, sobretudo, se essa língua
for o inglês ou o espanhol. Em certa maneira, acho que essa boa receptividade
para a diversidade é em detrimento de si próprios; é, na realidade, uma consequência
da sua autonegação, do seu sentimento de inferioridade. Ainda assim, nos
últimos anos tem havido mudanças nesta atitude por causa, sobretudo, da crise
económica. Os portugueses têm visto que Espanha está muito pior do que
Portugal, com um Governo que leva a cabo políticas de corte muito mais
agressivas do que o Governo português (embora as suas medidas de corte também o
sejam). Isto fez com que eles tivessem começado a se valorizar bastante mais e
a se deixarem de comparar com outros povos à sua volta.
Por estas razões e por outras muitas,
considero que o povo galego e o português têm muitas mais coisas que os unem do
que os separam, a começar simplesmente pelo seu caráter... praticamente
idêntico. Aliás, os galegos compartilhamos com os portugueses muitas lendas,
tradições, folclore, música... Por exemplo, há danças tradicionais portuguesas
que são muito parecidas com as galegas; por outro lado, o espírito do fado
lembra-me em muitas ocasiões ao próprio de muitos alalás galegos. Só por pôr alguns
exemplos. Por que não havíamos, portanto, de ligarmo-nos linguisticamente a
eles, se compartilhamos, na realidade, muita cultura? Posso contar uma anedota
que me aconteceu nas minhas aulas de Literatura Portuguesa Medieval, cadeira
que estudei no primeiro quadrimestre em Lisboa. Quando a minha professora soube
que eu era galega, preferiu que empregasse o português da Galiza nas suas
aulas. Quando os meus colegas me ouviram falar em galego, muitos, que nunca o
tinham ouvido com anterioridade, ficaram realmente maravilhados e mais de um
exclamou: “senhora professora, como é que posso perceber tudo o que ela disse
perfeitamente?!” e a minha professora tentava explicar-lhes que, na realidade,
o galego era uma variedade do português embora este facto não fosse reconhecido
oficialmente.
Atendendo a esta anedota, é claro que existe
um desconhecimento mútuo muito fundo entre os galegos e os portugueses por
causa de um isolamento histórico e político criados propositadamente. É claro
também que, para um português, um galego será à primeira vista um simples
espanhol, mas quando ficam a te conhecer e lhes explicas as diferenças
existentes, rapidamente o percebem e aceitam facilmente a tua consideração como
galego. Porém, também é certo que existem muitos portugueses que conhecem
minimamente a realidade galega e acham que os galegos não são espanhóis,
aceitando, dessa maneira, as especificidades galegas. As minhas experiências
com os portugueses a respeito das nacionalidades e das identidades foram muito
positivas. E é que, em geral, os portugueses são muito mais receptivos do que
os espanhóis.” Mar López – Galiza in “Portal Galego da
Língua”
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