Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 26 de julho de 2016

Salinas, o poeta do amor

     I

Depois de lançar em 2012 a tradução de A Voz a Ti Devida (Brasília; Thesaurus Editora), de Pedro Salinas (1891-1951), o tradutor José Jeronymo Rivera (1933) coloca no mercado Razão de Amor & Longo Lamento, do mesmo autor, pela Editora Kelps, de Goiânia, contribuindo para que o poeta espanhol seja um pouco mais conhecido no Brasil. Trata-se de dois livros em um só volume, que compõem com A Voz a Ti Devida uma trilogia daquele que é conhecido no mundo hispânico como “o poeta do amor”.

Salinas fez parte da Geração de 27, que inclui, entre outros, Rafael Alberti (1902-1999), Jorge Guillén (1893-1984), Luis Cernuda (1902-1963), Vicente Aleixandre (1898-1984) e Federico García Lorca (1898-1936), o mais famoso deles. É verdade que A Voz a Ti Devida é o seu título mais conhecido, justamente considerado o melhor livro de poesia amorosa do século XX da Literatura Espanhola, mas os que compõem a trilogia não ficam nada a dever.  
     
Pedro Salinas
Esta trilogia faz parte da segunda etapa da vida de Salinas como poeta, que é marcada por uma lírica em segunda pessoa, dirigida à mulher amiga e amada, mas evocada no ambiente da época, a conturbada década de 30 na Espanha, que fez Salinas mudar-se compulsoriamente para os Estados Unidos, onde a partir de 1936 passou a atuar como professor universitário. Esses poemas, especialmente os dois últimos livros da trilogia, seriam inspirados pela professora norte-americana Katherine Whitmore, com quem o poeta viveu um romance naquele país.

Na poesia dessa fase, são comuns metáforas de muita intensidade, dentro de longas estrofes que se valem de elementos métricos curtos, com assonâncias, que estabelecem um ritmo inconfundível. Desse período são La Voz a ti Debida (1933); Razón de Amor (1936) e Largo Lamento (1939).

                                                           II
De assinalar é que a primeira fase da poesia de Salinas vai até o começo da década de 30, influenciada por Juan Ramón Jiménez (1881-1958), período em que publicou Presagios (1924), Seguro azar (1929) e Fabula y signo (1931). A terceira etapa vai de 1939 até a sua morte, em 1951, período em que publicou mais dois livros – El contemplado (1946) e Todo más claro y otros poemas (1949).  Em 1955, em edição póstuma, saiu Confianza, que reúne poemas do período de 1942 a 1944.

Graduado em Direito, Letras e Filosofia, Salinas dedicou-se sempre à docência universitária. De 1914 a 1917, atuou como leitor de Espanhol na Sorbonne, em Paris, onde se doutorou em Letras. De sua afinidade com a cultura francesa resultou a vontade de traduzir para o espanhol Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust (1871-1922), tarefa que não chegou a concluir, tendo vertido alguns volumes.

Depois, Salinas ensinou na Universidade de Sevilha e, em 1922-23, em Cambridge.  Passou para a Universidade de Múrcia e, em seguida, para a de Madri. As circunstâncias da guerra civil espanhola (1936-1939) o obrigaram a mudar-se para os Estados Unidos, onde passou a lecionar na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Em 1943, transferiu-se para a Universidade de Porto Rico, mas reassumiu mais tarde a cátedra na Johns Hopkins. Morreu em Boston, mas está sepultado em San Juan de Puerto Rico.


                                                           III
Quem compulsar o original e ler estes dois livros de Salinas que saíram agora em português vai constatar que o poeta teve a sorte de encontrar o seu tradutor ideal. Salinas não é um poeta rebuscado – pelo contrário, busca a singeleza como ideal –, mas, por isso mesmo, é de difícil tradução, ou seja, é fundamental que seu tradutor seja também poeta, pois, muitas vezes, a singeleza de seus versos exige a recriação.

Por isso, encontrou em José Jeronymo Rivera um “poeta disfrazado de traductor”, na perfeita definição que consta do estudo introdutório que José Antonio Pérez-Montoro escreveu para A Voz a ti Devida. Em outras palavras: Rivera seria o interlocutor certo não só pelo conhecimento que tem da língua espanhola como pelo respeito que devota à sintaxe original. Vejamos como exemplo estes versos de Razão de Amor:
                                   Serás, amor,
                                   um grande adeus que não se acaba?
                                   Viver, desde o princípio, é separar-se.
                                   Já no primeiro encontro,
                                   com a luz e com os lábios,
                                   o coração percebe essa aflição
                                   de ter que cego estar e só um dia.
                                   Amor é demora milagrosa
                                   de seu próprio acabar:
                                   é prolongar o feito mágico
                                   de que um e um sejam dois, ao contrário
                                   de uma primeira pena desta vida. (...)

                                   (...) Se se estreitam as mãos, e se se abraça,
                                   nunca é para afastar-se,
                                   é porque a alma cegamente sente
                                   que a forma permissível de estar juntos
                                   é uma despedida grande, clara.
                                   É que o que é mais seguro é sempre o adeus.

No estudo introdutório que escreveu para Razão de Amor & Longo Lamento, o poeta Anderson Braga Horta reconhece que a tradução perfeita é impossível, mas observa que, no caso, “a perfeição da tradução está em reproduzir, recompor, recriar em vernáculo um artefato com o máximo das qualidades do original”. É, de fato, o que faz Rivera, “poeta experimentado na arte de traduzir”, segundo a definição de Braga Horta.


                                                           IV                                                      
José Jeronymo Rivera
Engenheiro civil, economista e administrador, Rivera, que reside em Brasília desde 1961, foi professor universitário e de ensino médio. É membro da Academia de Letras do Brasil, da Academia Brasiliense de Letras, da Associação Nacional de Escritores (ANE) e da Academia Leopoldinense de Letras e Artes.

Leitor compulsivo em espanhol, francês, inglês e italiano, Rivera tem dado uma contribuição inestimável ao enriquecimento das letras nacionais com criações originais de outras línguas, como é bom exemplo a tradução que fez de Gaspard de la Nuit, de Aloysius Bertrand (1807-1841). Produziu também numerosas versões do português para o castelhano, algumas já publicadas em Poetas Portugueses y Brasileños de los Simbolistas a los Modernistas, obra organizada pelo professor José Augusto Seabra (1937-2004), ao tempo em que era embaixador de Portugal em Buenos Aires, publicada pelo Instituto Camões.

Traduziu também Cidades Tentaculares, poemas do belga Émile Verhaeren (1855-1916), de quem tem pronta para ao prelo a versão de Les Heurs. Traduziu ainda o clássico Rimas, de Gustavo Adolfo Bécquer (1836-1870). De sua produção poética, publicou Aprendizado de poesia: 1951-1953 (Brasília: Thesaurus Editora, 2004). Publicou ainda Humberto de Campos: Poesia; Xavier Placer: Poemas; Miguel Torga: Contos; e Almeida Garrett: Poesias, pela Thesaurus Editora. Colaborou, em parceria, na tradução de Poetas do Século de Ouro Espanhol; Victor Hugo: Dois Séculos de Poesia; Sátiro e Outros Poemas; Antologia Poética Ibero-Americana; e Rodolfo Alonso: Antologia Pessoal, entre outros. É detentor dos prêmios de tradução Joaquim Norberto e Cecília Meireles, da União Brasileira de Escritores (UBE), do Rio de Janeiro. Adelto Gonçalves – Brasil


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Razão de Amor & Longo Lamento, de Pedro Salinas. Tradução de José Jeronymo Rivera, com apresentação de Fabio de Sousa Coutinho e estudo introdutório de Anderson Braga Horta. Goiânia: Editora Kelps, 2016, 224 págs. E-mail: kelps@kelps.com.br
Site: www.kelps.com.br


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Adelto Gonçalves é mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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