I
Depois de lançar em 2012 a
tradução de A Voz a Ti Devida
(Brasília; Thesaurus Editora), de Pedro Salinas (1891-1951), o tradutor José
Jeronymo Rivera (1933) coloca no mercado Razão
de Amor & Longo Lamento, do mesmo autor, pela Editora Kelps, de
Goiânia, contribuindo para que o poeta espanhol seja um pouco mais conhecido no
Brasil. Trata-se de dois livros em um só volume, que compõem com A Voz a Ti Devida uma trilogia daquele
que é conhecido no mundo hispânico como “o poeta do amor”.
Salinas fez parte da Geração
de 27, que inclui, entre outros, Rafael Alberti (1902-1999), Jorge Guillén
(1893-1984), Luis Cernuda (1902-1963), Vicente Aleixandre (1898-1984) e
Federico García Lorca (1898-1936), o mais famoso deles. É verdade que A Voz a Ti Devida é o seu título mais
conhecido, justamente considerado o melhor livro de poesia amorosa do século XX
da Literatura Espanhola, mas os que compõem a trilogia não ficam nada a dever.
Pedro Salinas |
Esta trilogia faz parte da
segunda etapa da vida de Salinas como poeta, que é marcada por uma lírica em
segunda pessoa, dirigida à mulher amiga e amada, mas evocada no ambiente da época,
a conturbada década de 30 na Espanha, que fez Salinas mudar-se compulsoriamente
para os Estados Unidos, onde a partir de 1936 passou a atuar como professor
universitário. Esses poemas, especialmente os dois últimos livros da trilogia, seriam
inspirados pela professora norte-americana Katherine Whitmore, com quem o poeta
viveu um romance naquele país.
Na poesia dessa fase, são
comuns metáforas de muita intensidade, dentro de longas estrofes que se valem
de elementos métricos curtos, com assonâncias, que estabelecem um ritmo inconfundível.
Desse período são La Voz a ti Debida (1933);
Razón de Amor (1936) e Largo Lamento (1939).
II
De assinalar é que a primeira
fase da poesia de Salinas vai até o começo da década de 30, influenciada por
Juan Ramón Jiménez (1881-1958), período em que publicou Presagios (1924), Seguro azar
(1929) e Fabula y signo (1931). A
terceira etapa vai de 1939 até a sua morte, em 1951, período em que publicou
mais dois livros – El contemplado
(1946) e Todo más claro y otros poemas
(1949). Em 1955, em edição póstuma, saiu
Confianza, que reúne poemas do
período de 1942 a 1944.
Graduado em Direito, Letras e
Filosofia, Salinas dedicou-se sempre à docência universitária. De 1914 a 1917, atuou como
leitor de Espanhol na Sorbonne, em Paris, onde se doutorou em Letras. De sua
afinidade com a cultura francesa resultou a vontade de traduzir para o espanhol
Em busca do tempo perdido, de Marcel
Proust (1871-1922), tarefa que não chegou a concluir, tendo vertido alguns
volumes.
Depois, Salinas ensinou na
Universidade de Sevilha e, em 1922-23, em Cambridge. Passou para a Universidade
de Múrcia e, em seguida, para a de Madri. As circunstâncias da guerra civil
espanhola (1936-1939) o obrigaram a mudar-se para os Estados Unidos, onde
passou a lecionar na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Em 1943,
transferiu-se para a Universidade de Porto Rico, mas reassumiu mais tarde a
cátedra na Johns Hopkins. Morreu em Boston, mas está sepultado em San Juan de Puerto Rico.
III
Quem compulsar o original e
ler estes dois livros de Salinas que saíram agora em português vai constatar
que o poeta teve a sorte de encontrar o seu tradutor ideal. Salinas não é um
poeta rebuscado – pelo contrário, busca a singeleza como ideal –, mas, por isso
mesmo, é de difícil tradução, ou seja, é fundamental que seu tradutor seja
também poeta, pois, muitas vezes, a singeleza de seus versos exige a recriação.
Por isso, encontrou em José
Jeronymo Rivera um “poeta disfrazado de traductor”, na perfeita definição que
consta do estudo introdutório que José Antonio Pérez-Montoro escreveu para A Voz a ti Devida. Em outras palavras: Rivera
seria o interlocutor certo não só pelo conhecimento que tem da língua espanhola
como pelo respeito que devota à sintaxe original. Vejamos como exemplo estes
versos de Razão de Amor:
Serás, amor,
um grande
adeus que não se acaba?
Viver, desde
o princípio, é separar-se.
Já no
primeiro encontro,
com a luz e
com os lábios,
o coração
percebe essa aflição
de ter que
cego estar e só um dia.
Amor é demora
milagrosa
de seu
próprio acabar:
é prolongar o
feito mágico
de
que um e um sejam dois, ao contrário
de uma
primeira pena desta vida. (...)
(...) Se se
estreitam as mãos, e se se abraça,
nunca é para
afastar-se,
é porque a
alma cegamente sente
que a forma
permissível de estar juntos
é uma
despedida grande, clara.
É que o que é
mais seguro é sempre o adeus.
No estudo introdutório que
escreveu para Razão de Amor & Longo
Lamento, o poeta Anderson Braga Horta reconhece que a tradução perfeita é
impossível, mas observa que, no caso, “a perfeição da tradução está em
reproduzir, recompor, recriar em vernáculo um artefato com o máximo das
qualidades do original”. É, de fato, o que faz Rivera, “poeta experimentado na
arte de traduzir”, segundo a definição de Braga Horta.
IV
José Jeronymo Rivera |
Engenheiro civil, economista
e administrador, Rivera, que reside em Brasília desde 1961, foi professor
universitário e de ensino médio. É membro da Academia de Letras do Brasil, da
Academia Brasiliense de Letras, da Associação Nacional de Escritores (ANE) e da
Academia Leopoldinense de Letras e Artes.
Leitor compulsivo em
espanhol, francês, inglês e italiano, Rivera tem dado uma contribuição
inestimável ao enriquecimento das letras nacionais com criações originais de
outras línguas, como é bom exemplo a tradução que fez de Gaspard de la Nuit ,
de Aloysius Bertrand (1807-1841). Produziu também numerosas versões do
português para o castelhano, algumas já publicadas em Poetas Portugueses y Brasileños de los Simbolistas a los Modernistas, obra organizada
pelo professor José Augusto Seabra (1937-2004), ao tempo em que era embaixador
de Portugal em Buenos
Aires , publicada pelo Instituto Camões.
Traduziu também Cidades Tentaculares, poemas do belga
Émile Verhaeren (1855-1916), de quem tem pronta para ao prelo a versão de Les Heurs. Traduziu ainda o clássico Rimas, de Gustavo Adolfo Bécquer
(1836-1870). De sua produção poética, publicou Aprendizado de poesia: 1951-1953 (Brasília: Thesaurus Editora, 2004).
Publicou ainda Humberto de Campos: Poesia;
Xavier Placer: Poemas; Miguel Torga: Contos; e Almeida Garrett:
Poesias, pela Thesaurus Editora. Colaborou, em parceria, na tradução de Poetas do Século de Ouro Espanhol; Victor Hugo: Dois Séculos de Poesia; Sátiro e Outros Poemas; Antologia Poética
Ibero-Americana; e Rodolfo Alonso:
Antologia Pessoal, entre outros. É detentor dos prêmios de tradução Joaquim
Norberto e Cecília Meireles, da União Brasileira de Escritores (UBE), do Rio de
Janeiro. Adelto Gonçalves – Brasil
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Razão de Amor &
Longo Lamento, de Pedro Salinas. Tradução de José Jeronymo
Rivera, com apresentação de Fabio de Sousa Coutinho e estudo introdutório de
Anderson Braga Horta. Goiânia: Editora Kelps, 2016, 224 págs. E-mail:
kelps@kelps.com.br
Site: www.kelps.com.br
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Adelto Gonçalves é mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana
e doutor
em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de
Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona
brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002), Bocage – o perfil perdido
(Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio
Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), e Direito e Justiça em
Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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