Livro que
celebra a trajetória de 90 anos do poeta reúne textos de sete autores
consagrados
I
Uma
análise do universo lírico e transcendental de um dos maiores poetas da
Literatura Brasileira contemporânea é o que o leitor vai encontrar em Anderson
Braga Horta e a metafísica de Orfeu
(Brasília, Tagore Editora, 2024), obra organizada pelo poeta e crítico cearense
Márcio Catunda, que reúne, além de um aprofundado e extenso ensaio de sua
autoria, textos de outros seis autores também consagrados: Danilo Gomes, Edmílson
Caminha, Flávio Kothe, Kori Bolivia, Napoleão Valadares e Salomão Sousa, todos
ligados a Brasília, cidade adotiva do homenageado.
No
texto de abertura, que dá título à obra, Catunda observa que o interesse do
mineiro Anderson Braga Horta por Brasília “teve sempre um sentido místico e
revela uma espécie de filosofia da fraternidade”, atribuindo à cidade “um
significado especial para a redenção do Brasil, para que o País encontre o seu
rumo, para que possa explorar o seu enorme potencial e descobrir o caminho da
fraternidade, fazendo uma distribuição de riqueza que contemple os deserdados”.
Essa
grande fé do poeta “na semente plantada no coração do Planalto Central do
Brasil”, segundo Catunda, pode ser contemplada nestes versos: Contraditória rosa / explosiva. / De tuas
impurezas, / de tuas asperezas, / rosa queremos-te / exata. / No altiplano de
nossas esperanças, / rosa-dos-homens / construímos-te futura. Para o
crítico, a gênese de Brasília está narrada neste poema, desde a chegada dos
seus construtores, que rasgaram os mapas e plantaram vida na terra sáfara”, “de
dedos torcidos de séculos”.
Catunda
ressalta também a grande inclinação de Anderson para a esquerda, embora ele
nunca tenha sido comunista de carteirinha. Essa inclinação, diz, dá-se apenas
pelos aspectos humanísticos do socialismo que preveem a ascensão das classes
oprimidas, embora esse objetivo nunca tenha sido alcançado naqueles países que
tentaram implantar uma sociedade baseada numa ideologia extremamente
materialista. Nesse sentido, o crítico destaca o poema “O cordeiro e a nuvem” (1984),
em que Anderson denuncia a insensatez dos “homens que semearam medo e morte de
instantânea colheita”. E acrescenta: “O Poeta se faz porta-voz da angústia, que
é o desassossego provocado pela atitude arrogante e prepotente de alguns seres
humanos, que se arvoram da prerrogativa de dominar os outros”.
Em
seu ensaio que procura perscrutar boa parte da extensa obra poética de
Anderson, Catunda destaca, por fim, Iniciações (2024), livro escrito na
véspera de o autor celebrar 90 anos e quase 80 de poesia, uma espécie de
autobiografia escrita em versos. E observa que “o poeta plasmou com tal
elegância estética o seu excêntrico manancial, que o tom dolente da nostalgia
está apenas implícito nos poemas, sem ênfase retórica”.
II
No
texto seguinte, o jornalista, pesquisador e crítico literário mineiro Danilo
Gomes procura destacar o Anderson Braga Horta cronista, apontando-o como “um
clássico das letras de língua portuguesa”. Segundo Danilo Gomes, Anderson “tem
a bossa da crônica, que é considerada o mais brasileiro dos gêneros
literários”. E cita um livro de crônicas que ainda será lançado, provavelmente,
com o título O Patinho Belo e outros bichos,
inspirado no pai de Anderson, que era advogado e poeta e que gostava de
passarinhos. Como já teve acesso ao livro, Danilo Gomes cita o trecho final da
lírica crônica dos pássaros: “Papai exultava, e eu o acompanhava, numa
espécie de felicidade que – nem o imaginávamos então – brevemente a metrópole
transmutaria em saudade. Papai era mais menino do que eu”.
Já
o professor, jornalista e escritor cearense Edmílson Caminha, em texto que leu
na Associação Nacional de Escritores (ANE) em sessão solene em homenagem aos 90
anos do poeta, faz uma rememoração de seus primeiros anos em Brasília quando
conheceu pessoalmente Anderson, à época já funcionário público. E, a par de seu
trabalho poético, destacou também o seu talento como tradutor, recordando
principalmente soneto do argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) que ele
traduziu e “que ombreia com o original castelhano”.
Por
seu lado, o mineiro Napoleão Valadares, advogado, contista e autor de várias
antologias, citando o que o escritor Alan Viggiano (1932-2022) escreveu em Meninos,Eu
Li! (2006), lembrou que Anderson “está furando as barreiras impostas por
Rio de Janeiro e São Paulo aos poetas de outros recantos. Isso devido à
pertinácia com que se tem dedicado à poesia desde que se entende por gente e
mesmo ainda no útero materno”.
III
Em
seu texto, o gaúcho Flávio R. Kothe, tradutor, escritor e professor titular
aposentado da Universidade de Brasília (UnB), doutor e livre-docente em Teoria
Literária, ex-presidente da Academia de Letras do Brasil (ALB), prefere lembrar
o diálogo intenso que manteve com Anderson, nos últimos anos, para regularizar
e fazer a renovação jurídica daquela instituição e, a partir de 2019, editar a
cada semestre a sua revista.
Ao
final do seu breve texto, recorda que o poeta como servidor público teve
participação na redação da Constituição de 1988. E observa que seus poemas são
também “uma prestação pública de serviços”, já que muitos trazem implícita a
“aceitação do caldeamento étnico” nos quais o poeta “dá uma lição de democracia
e se contrapõe a racistas e fanáticos, que se consideram superiores justo
naquilo em que está sua fraqueza, sua inferioridade”.
Já
a boliviana Kori Bolivia, professora universitária, mestre em Literatura
Brasileira e tradutora, que vive em Brasília desde 1976, lembra que conheceu
Anderson no mesmo ano em que chegou à cidade ao assistir uma palestra dele para
alunos da UnB. E reconhece que, ao ler os livros de Anderson, encontrou “não a
nostalgia, não o desespero, mas a vivência de uma realidade que muitas vezes
outros seres humanos não conseguem vislumbrar e o poeta com seus versos nos faz
sentir, ver e pensar”.
Por
fim, o goiano Salomão Sousa, poeta e jornalista, ao traçar um perfil da
trajetória do poeta, lamenta que Anderson tenha demorado tanto para publicar o
seu primeiro livro, Altiplano e outros poemas
(1971), embora já tivesse conquistado alguns prêmios e participado de
antologias, mas ressalva que, agora que já publicou numerosos títulos, espera
que sua obra “seja melhor acolhida pelo mercado editorial e inserida com mais
profusão nos estudos e currículos universitários para que ganhe vasta
transparência e usufruto cotidiano na memória dos brasileiros e sejam seus
versos mais citados nos momentos de alteridade social”.
IV
Nascido
em Carangola, o poeta Anderson Braga Horta (1934), filho dos poetas Anderson de
Araújo Horta (1906-1985) e Maria Braga Horta (1913-1980), ainda criança,
acompanhando a família, trocou o interior de Minas Gerais pela tradicional Vila
Boa de Goiás, ou Goiás Velho, onde fez o curso primário. Depois, transferiu-se
para Goiânia, onde fez o curso de admissão ao ginásio. Aos 12 anos, retornou
para Minas, onde ficou na casa dos avós, em Manhumirim, e concluiu o ginásio.
Depois, foi para Leopoldina, ainda em Minas Gerais, e fez o curso clássico.
Seguiu
para o Rio de Janeiro, onde, em 1959, formou-se pela Faculdade Nacional de
Direito da Universidade do Brasil. Advogado, professor de Português,
jornalista, datilógrafo e redator, mudou-se para Brasília em 1960, onde
desempenhou o cargo de diretor legislativo da Câmara dos Deputados, entre
outros. Funcionário público aposentado, é cofundador da Associação Nacional de
Escritores (ANE) e membro da ALB.
Datam
de 1949 seus primeiros escritos. Eram versos. Os contos começariam em 1954, alguns
deles tendo sido recolhidos em Pulso instantâneo (Brasília, Editora
Thesaurus, 2008). O contista estreou em livro antes do poeta, a não ser pela
participação em obras coletivas, como O Horizonte e as Setas, em
parceria com Joanyr de Oliveira (1933-2009), Elza Caravana e Izidoro Soler
Guelman (1936-2024).
Predominam
em sua obra títulos de poesia, como Altiplano e outros poemas (1971),
seguido de Marvário, Incomunicação, Exercícios de Homem, O Pássaro no
Aquário, reunidos, com inéditos, em Fragmentos da Paixão (São Paulo,
Massao Ono, 2000), que obteve o Prêmio Jabuti de 2001, Pulso (São Paulo,
Barcarola, 2000), Quarteto Arcaico (Jaboatão dos Guararapes, 2000), 50
Poemas escolhidos pelo autor (Rio de Janeiro, Galo Branco, 2003), Soneto
Antigo (Brasília, Editora Thesaurus, 2009); Lua da Fonte/Elegia de Varna,
seleção, prólogo e tradução para o búlgaro de Rumen Stoyanov (Sofia, 2009), De
uma janela em Minas Gerais – 200 Sonetos (miniedição em quatro volumes,
2011), Signo, antologia metapoética (Brasília, 2010), De Viva Voz
(Brasília, 2012), Quarenta Sonetos (Jaboatão dos Guararapes, 2015), Tiempo del Hombre (Lima, Maribelina, Casa
del Poeta Peruano, 2015), e 50 Poemas (50 Gedichte), com tradução de
Curt Meyer-Clason (1910-2012), entre outros.
Na
linha da crítica e da ensaística, publicou pela Editora Thesaurus, de Brasília,
o opúsculo Erotismo e Poesia (1994), Aventura Espiritual de Álvares
de Azevedo: estudo e antologia (2002), Sob o Signo da Poesia:
literatura em Brasília (2003), Traduzir Poesia (2004), Testemunho
& Participação: ensaio e crítica literária (2007) e Criadores de Mantras:
ensaios e conferências (2007). Ganhou mais de 15 prêmios literários.
V
Márcio
Catunda (1957), poeta, romancista, cronista, ensaísta, compositor, letrista e
escritor, nascido em Fortaleza, formou-se, em 1979, em Direito pela
Universidade Federal do Ceará e, em 1989, em Letras pelo Centro Universitário
de Brasília (CEUB). Em 1985, ingressou na carreira diplomática no Instituto Rio
Branco. Em função disso, morou em países como Peru (1991 a 1994), Suíça (1994 a
1997), Bulgária (1998 a 2000), República Dominicana (2002 a 2005) e Portugal (a
partir de 2005), tendo publicado livros em várias cidades do mundo.
Publicou
mais de 50 livros, alguns dos quais no idioma espanhol. Seus livros receberam galardões de algumas
instituições culturais. O livro Paris e seus Poetas
Visionários, pesquisa biográfica sobre 25 grandes poetas franceses, recebeu
o Prêmio Cecília Meireles de 2021, da União Brasileira de Escritores (UBE), seção
do Rio de Janeiro.
A
obra de Márcio Catunda é marcada, inicialmente, por versos de protesto ou temas
sociais, como se comprova em livros como Incendiário de Mitos
(1980), A Quintessência do Enigma (1986), Purificações"
(1987), O Encantador de Estrelas (1988) e Sortilégio
Marítimo (1990). Em seguida, o resultado de suas reflexões sobre o ser e
a eternidade se configurou num livro em prosa, A Essência da
Espiritualidade (1994).
É
autor ainda de Sintaxe do Tempo (2009), Viagens Introspectivas
(2016), Mário Gomes: poeta,
santo e bandido (2015), Terra de demônios
(2013), Emoção atlântica
(2010), Na Trilha dos Eleitos, vol. 1 e 2 (1999-2001),
Verbo Imaginário (2000), Crescente (2000), No Chão
do Destino (1999), Água Lustral (1998), Sermões
ao vento (1990), O Evangelho
da Iluminação (1984), Estórias do Destino e
a Pérfida Perfeição (1982), Navio Espacial
(1981) e Poemas de Hoje (1977), entre outros. Adelto
Gonçalves - Brasil
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Anderson Braga Horta e a metafísica de Orfeu, de Márcio Catunda (org.). Brasília, Tagore Editora, 136 páginas, 2024. E-mails: contato@tagoreeditora.com.br
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Adelto Gonçalves (1951), jornalista, é doutor em Letras na área de Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta
do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage, o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; São Paulo,
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo - Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (São Paulo, Imesp/Academia Brasileira de
Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial –
1709-1822 (São Paulo, Imesp, 2015), Os
Vira-Latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora,
1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o
governo Lorena na capitania de São Paulo - 1788-1797 (São Paulo, Imesp,
2019), entre outros. Escreveu prefácio para o livro Kenneth Maxwell
on Global Trends (Robbin Laird, editor, 2024), publicado
na Inglaterra. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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