Estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto mostra que a revisão em alta dos estrangeiros revelada em abril coloca Portugal abaixo de 80% do nível de vida da UE até 2026
O
nível de vida dos portugueses face à União Europeia (UE) tem sido sobrestimado:
segundo a Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), em 2023, o
rendimento “per capita” terá sido de 78,9% da média europeia (na 19.ª posição,
a nona pior) e não de 80,7% (18.ª), como reportou a Comissão Europeia (CE) nas
previsões de maio e se confirma nos dados mais recentes do Eurostat.
Um
relatório de abril da Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) mostra
uma população estrangeira com estatuto legal de residente bem maior do que nos
dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE), contabilizando mais
250 mil pessoas nesse ano do que se supunha e, com isso, diminuindo o
rendimento médio por habitante.
Admitindo
como válida a informação da AIMA, a população reportada pelo INE aos organismos
estatísticos europeus é inferior à real nos anos recentes, o que empola o
indicador de nível de vida relativo de Portugal. Esta é a principal conclusão
da análise Flash nº 3 de 2025 da FEP, que
espera ver refletida a informação da AIMA nos dados do INE apenas daqui a
alguns meses e, mais tarde, nos da UE.
O
trabalho do Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas
Públicas (G3E2P) da FEP assinala que, usando pressupostos razoáveis de
ajustamento da população em 2024 (com os dados disponíveis), nesse ano o nível
de vida de Portugal terá sido de 79,2% da média da UE em vez de 81,6%.
Essa
revisão em baixa de 2,4 pontos percentuais (p.p.) mantém-se nas previsões
ajustadas da CE até 2026, ano em que o indicador se situará em 79,5%, na 21ª
posição, a sétima pior, em lugar do valor oficial de 81,9% (19ª posição). O
G3E2P conclui que não superámos os 80% do nível de vida da UE nos anos recentes
– a última vez foi em 2010 –, quando para a CE tal sucede desde 2023.
“É preciso integrar mais rapidamente os dados da AIMA”
O
estudo agora divulgado “evidencia as discrepâncias nos dados de estrangeiros e
população total, que são cruciais para definir várias políticas – incluindo as
de imigração, emprego, habitação e proteção social –, estimando-se que
poderemos ter mais 378 mil pessoas no final de 2024 do que nos dados oficiais
do INE, o que implica um nível de vida face à UE 2,4 p.p. inferior ao oficial”,
afirma Óscar Afonso, diretor da FEP e coautor do estudo.
“É
preciso integrar mais rapidamente os dados da AIMA nas estatísticas do INE e da
UE para assegurar dados coerentes e atempados no suporte às políticas
públicas”, acrescenta.
Para
o diretor da FEP, ainda mais importante, “o estudo reforça a urgência da
economia nacional se tornar mais competitiva: são precisas reformas estruturais
para elevar o potencial de crescimento económico e preparar a redução esperada
dos apoios europeus. Só assim poderemos alcançar o grupo de países com maior
nível de vida da UE num horizonte aceitável e travar a emigração dos jovens
portugueses”.
Novo controlo da imigração “pode reduzir crescimento
económico”
Este
estudo da FEP revê ainda em baixa a necessidade de entrada de imigrantes para
que Portugal possa entrar, em 2033, na metade de países com maior rendimento
“per capita” da atual UE. Em vez dos 138 mil imigrantes por ano (em média)
calculados num estudo de 2024, só serão necessários 80 mil por ano até 2033, já
considerando o número revisto atual de estrangeiros e um cenário mais realista
em que a economia da UE cresce 1% ao ano, exigindo que Portugal cresça, no
mínimo, 2,4% ao ano (após reformas), em média.
“A
imigração deve ser regulada em função das necessidades da economia – e da
capacidade de absorção da sociedade, dos serviços públicos e das
infraestruturas, para integrar essas pessoas de forma digna –, o que não
sucedeu nos últimos anos”, afirma Nuno Torres, responsável do G3E2P e co-autor
do Flash.
O
crescimento real do PIB foi 2,6% em 2023 e 1,9% em 2024, e a entrada de
estrangeiros rondou os 300 mil em cada um desses anos, muito acima da nova
estimativa de 80 mil se a economia crescer a um ritmo médio de 2,4%. “Um
“grande desfasamento” que, para os investigadores da FEP, significa que muitos
dos que entraram estarão na economia paralela, pois não pode ser explicado
apenas pela inserção dominante dos imigrantes em setores com produtividade e
salários abaixo da média – mas vitais à economia”.
Segundo
Nuno Torres, outros dados do Flash reforçam a perspetiva de que é preciso mais
controlo da imigração. No final de 2024, o número de estrangeiros com estatuto
legal de residente deverá atingir 1,6 milhões, de acordo com a AIMA,
correspondendo a 14,4% da população residente total revista, após 11,9% em 2023
(cerca de 1,3 milhões de pessoas) e 4,1% em 2017.
“Esta
grande alteração demográfica em poucos anos confirma o descontrolo da imigração
gerado pelo Regime de Manifestação de Interesse que o governo PS aprovou em
2017, por ser desligado da economia, justificando que o governo AD o tenha
encerrado em 2024”, afirma Nuno Torres. “Em seu lugar, criou a ‘via verde da
imigração’, que a regula pelas necessidades da economia, através do contrato de
trabalho prévio – como sugeria o estudo de 2024 da FEP –, mas são precisas
melhorias dada a baixa execução”. O pior, refere, é que “as medidas adicionais
previstas de controlo da imigração, necessárias na sua maioria, vão longe
demais em áreas em que podem reduzir o potencial de crescimento económico”.
Segundo
Nuno Torres, “limitar os vistos de trabalho a estrangeiros altamente
qualificadas ignora o perfil de especialização atual – que deve progredir com
outro tipo de medidas –, podendo levar a falta de mão-de-obra em setores como a
construção, o turismo e a agricultura, e conflitua com as restrições previstas
ao regime de naturalização, ao torna-lo dos menos atrativos da UE também para
os qualificados”.
“Reformas decisivas” e “uma imigração regulada pela
economia”
O
estudo do G3E2P assinala que as previsões da CE revistas em função dos dados da
AIMA irão colocar Portugal com o sétimo pior nível de vida da UE em 2026, dois
lugares abaixo do que sucede nos dados originais, e à beira de ser o sexto
pior. Isto porque, neste novo cenário, Portugal só fica acima da Roménia por
duas centésimas – 79,47% e 79,45% da UE, respetivamente –, quando este era um
dos países mais pobres da UE ainda há poucos anos.
Óscar
Afonso é perentório: “Evitar o cenário de ultrapassagem pela Roménia em nível
de vida – o que parece provável e deve envergonhar o país – exige aumentar a
potência do motor económico português, mas tal requer reformas estruturais que
os governos têm adiado e demoram tempo a surtir efeito”.
A
Roménia entrou bastante depois de Portugal na UE e recebeu menos fundos
europeus, mas, segundo Óscar Afonso, “tem-nos aproveitado bem melhor, como
mostra a maior tendência de crescimento económico e a forte convergência de
nível de vida desde 1999, contrastando com a divergência de Portugal, pouco
atenuada nos anos recentes”. O diretor da FEP sustenta que o país deve
aproveitar “muito melhor” o Portugal 2030 e executar o PRR sem perder verbas,
uma vez que “os apoios deverão baixar após 2026”.
Óscar
Afonso conclui que “o crescimento recente da economia portuguesa acima da UE
trouxe, afinal, pouca convergência de nível de vida: de 77,3% em 2019 para
79,2% em 2024, em vez do valor oficial de 81,6%”, a refletir uma economia de
baixo valor acrescentado e pouco diversificada, demasiado dependente do
turismo. Exprime ainda preocupação com o contexto externo muito adverso, no
qual a guerra tarifária, a necessidade de elevar a despesa com Defesa e a
redução esperada dos apoios da UE aumentam os desafios que se colocam a
Portugal.
“É
possível transformar esses desafios em oportunidades e aumentar a
competitividade da economia, colocando-a a crescer mais de forma sustentada:
tal pressupõe reformas decisivas e uma imigração regulada pela economia e
capacidade de absorção social, ‘sem portas escancaradas’, mas também ‘sem
muros’”, sustenta Óscar Afonso. O diretor da FEP prevê um recuo do Governo na
política de vistos de trabalho, pois “não é razoável face ao perfil atual da
economia, podendo até fomentar as redes de imigração ilegal, a combater com
mais fiscalização”.
Enquanto
complemento à “via verde”, Óscar Afonso defende “uma política de vistos de
trabalho flexível e articulada com as entidades representativas das empresas,
que melhor conhecerão as necessidades de profissionais nos diferentes setores”.
Para ele, “esses vistos devem antes focar-se em trabalhadores especializados,
com experiência e formação nas respetivas profissões, requerendo mais ou menos
habilitações académicas”. O diretor da FEP propõe que se aproveite a
regularização em curso de estrangeiros para, em articulação com a Segurança
Social, combater situações de informalidade dos que ficarem em Portugal, de
modo a reduzir a economia paralela e elevar o PIB oficial. Universidade do
Porto - Portugal
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