De
repente, surgiu nas redes sociais e na mídia a onda dos bebês reborn ou bebês
renascidos, provocando irritação entre as pessoas preocupadas com a real
situação dos recém-nascidos filhos de mães pobres, mal alimentadas e com pouco
leite para alimentá-los. Mesmo porque tais bebês, designados de maneira
sofisticada em inglês, não passam de bonecas hiperrealistas em silicone
reproduzindo de maneira real e perfeita um verdadeiro bebê.
Um
sofisticado trabalho manual, cujo preço pode chegar a 10 mil reais, permitindo
a quem o possui mimetizar a vivência com um verdadeiro bebê, sem exigir os
mesmos cuidados de uma mãe. Mas a mamadeira, as fraldas, a chupeta imitam as
necessidades vitais de um ser vivo, porque a boneca é inerte e só vive na
imaginação, como acontece com as bonecas das meninas até a adolescência.
Então,
por que esses bebês de silicone passaram a ocupar espaço na mídia e nas redes
sociais, gerando interpretações diversas sobre o comportamento das mulheres que
ninam, passeiam e vão fazer compras no supermercado com seu bebê factício?
Tanto
homens como mulheres podem ter uma ligação afetiva com certos objetos que lhes
são caros e dos quais não se separam. Podem ser também animais, seres vivos,
como cães, gatos, transformados em bichos de estimação e que se integram na
própria família, sendo tratados com o cuidado e mesmo amor destinado a pessoas.
Existem também homens, cujas amantes são de plástico inflável.
Esses
bebês não são novidade, não foram fabricados só agora, já existem há anos nos
Estados e mesmo na Europa. Na verdade, destinam-se a crianças e adolescentes
como brinquedos mais sofisticados ou a mulheres que perderam seus bebês, numa
fase de superação da falta e tristeza decorrentes, mas por um curto período.
Existe
algum interesse comercial com o lançamento do bebê reborn como moda a ser
curtida por mulheres ou casais sem filhos desejosos de viver a maternidade?
Parece haver, pelo menos em streaming, o filme Uma Família Feliz, um filme de
suspense e realismo envolvendo bebês reborn.
Seja
o que for, modismo ou onda lançada por publicidade discreta, já surgiram muitas
explicações sobre a receptividade de certas pessoas. Percorremos diversas delas
e uma que nos impressionou foi a do professor Paulo
Ghiraldelli, focando a questão de maneira filosófica e
política.
Para
ele, se reportando ao passado, os homens se encantavam na revolução industrial
com as máquinas que se moviam sozinhas e o próprio Adam Smith ficava
impressionado com a fábrica de alfinetes. Nessa era vitoriana, reforçava-se a
ideia de que o homem pode dar vida às coisas e não só Deus.
É
a época do romance Frankenstein, o monstro feito com pedaços de cadáver e que
ganha vida própria. É a época do fetiche, as máquinas dão vida às coisas e as
coisas parecem ganhar vida. E Ghiraldelli cita Marx e o Capital, para lembrar
que as mercadorias ganham vida enquanto aquele que deu vida às mercadorias, o
homem, se torna objeto delas.
A
seguir, a imagem se torna mais importante que a mercadoria e o virtual mais
importante que o real. E entramos assim no simulacro que é a produção de
imagens que lembram o real sem serem o real. É o caso dos bebês reborn que são
mais perfeitos que os bebês reais.
Daniel
Gontijo se preocupou também
com explicações religiosas espíritas e evangélicas. Não faltam explicações
irônicas e críticas do Eduardo
Bueno, as ligações abaixo permitem uma boa interpretação
dos bebês reborn. Existem relatos reais de mãe que leva seu boneco reborn ao
SUS, para saber se tem febre, e um processo judicial, por um casal em
separação, para partilha de rendimentos de um bebê reborn no instagram com
milhares de seguidores. Existem imagens de um pastor chutando um boneco reborn
e o comentário de que a "mãe" levando seu "bebê" em
consulta ao SUS deveria ter sido internada. E o alerta do pregador John Meslar
de que maus espíritos podem tomar posse do corpo do bebê reborn. Fica livre a
escolha de qual a melhor explicação. Rui Martins – Suíça
________
Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da
Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça,
correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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