Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Sustentabilidade

“Durante todo a tarde estivemos falando sobre o desenvolvimento sustentável, de como retirar as imensas populações da pobreza. Que se passa nas nossas cabeças com o modelo de desenvolvimento e consumo que actualmente vivem as sociedades ricas? Faço esta pergunta: O que se passaria com este planeta se os indianos tivessem a mesma proporção de automóveis por família, que os alemães possuem? Quanto oxigénio necessitaríamos para podermos respirar? Mas claro! O mundo terá hoje os elementos materiais para que seja possível que sete ou oito mil milhões de pessoas possam desfrutar do mesmo nível de consumo e desperdício que têm as mais opulentas sociedades ocidentais? Será possível? Ou será que teremos que ter um dia, um outro tipo de discussão? Porque nós criámos uma civilização em que estamos, filha do mercado, filha da competição, que se deparou com um progresso material portentoso e explosivo.

 Mas a economia de mercado criou sociedades de mercado, e nós deparamos com esta globalização que significa olhar por todo o planeta e perguntamos, estamos governando a globalização ou é ela que nos governa? É possível falar de solidariedade e que estamos todos juntos numa economia baseada na concorrência impiedosa? Até onde chega a nossa fraternidade?
Nada disso eu digo, para negar a importância deste evento, pelo contrário, o desafio que temos pela frente, é de uma magnitude de carácter colossal e a grande crise não é ecológica, é política! O homem não governa hoje! Há forças envolvidas que governam o homem e a vida. Porque não viemos ao planeta para nos desenvolvermos, em termos gerais, nós viemos ao mundo para tentarmos ser felizes, pois a vida é curta e rapidamente se vai, nenhum bem vale mais do que a vida e isto é elementar! Mas se a vida vai passando, e nós trabalhando e trabalhando para consumir sempre mais e a sociedade de consumo é o motor, porque em definitivo, se paralisa o consumo, a economia pára e se parar a economia o fantasma da estagnação económica aparecerá para cada um de nós.
Mas este híper consumo que está agredindo o planeta e que tem de ser acelerado, fazendo coisas que durem pouco, porque é preciso vender muito, E uma pequena lâmpada eléctrica que não pode durar mais que mil horas, mas existem lâmpadas que podem durar 100 mil, 200 mil horas, contudo estas não podem ser feitas pois o problema é o mercado, porque temos de trabalhar e temos de sustentar uma civilização que usa e deita fora e com isto estamos num círculo vicioso.
Estes são problemas de carácter político, que estão dizendo que está na hora de começar a lutar por outra cultura, não se trata de voltar aos tempos dos homens das cavernas, ou ter um momento de atraso, mas não podemos continuar indefinidamente sendo governados pelo mercado, mas sim temos de o governar. Por isso eu digo, na minha humilde maneira de pensar, que o problema é de carácter político, porque os antigos pensadores, Epicúreo, Séneca, os Aymaras, definiam: Pobre não é o que tem pouco, mas sim, que na verdade necessita infinitamente de muito, e deseja, deseja, mais e mais. Isto é claramente de carácter cultural. Então, eu saúdo os esforços e acordos que são feitos. E eu vou acompanhá-los como governante, porque sei que algumas coisas que estou a dizer perturbam!
Mas devemos perceber que a crise da água e a agressão ao meio ambiente não são a causa, mas sim o modelo de civilização que construímos e no que temos de rever no nosso modo de vida, pois eu pertenço a um pequeno país, o Uruguai, muito bem dotado de recursos naturais para viver. No meu país há três milhões de habitantes, um pouco mais, três milhões e duzentos mil habitantes, mas há 13 milhões de vacas, das melhores do mundo e cerca de oito a dez milhões de excelentes ovelhas, o meu país, o Uruguai, é exportador de alimentos, de lacticínios, de carne, é uma planície onde quase 90% da terra é aproveitável.
Os meus camaradas trabalhadores lutaram muito pelas oito horas de trabalho e agora estão conseguindo o direito às seis horas. Mas aqueles que alcançaram seis horas, conseguiram dois empregos, portanto, trabalham mais do que antes. Por quê? Porque eles têm de pagar uma infinidade de despesas, a moto que comprou, o automóvel que comprou, e pagar contas e mais contas…e quando um dia acordar perceberá que é um velho reumático como eu e assim se passou a vida! E um dia fará esta pergunta: Será este o destino da vida humana? Estas coisas são muito elementares, o desenvolvimento não pode ser contra a felicidade, tem que ser a favor da felicidade humana, do amor ao planeta Terra, às relações humanas, do amor aos filhos, de ter amigos, ter somente o necessário.
Precisamente, porque este é o tesouro mais importante que temos, quando lutamos pelo meio ambiente, devemos lembrar que o primeiro elemento do meio ambiente se chama Felicidade Humana. Muito obrigado.” José Mujicas - Uruguai
Tradução: Baía da Lusofonia

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