Para quem, como eu, tem acompanhado, ao longo de mais de quarenta anos, como professor e, acima de tudo, escritor, o percurso da Frelimo, em tanto que Frente de libertação de Moçambique e, subsequentemente, como Partido de orientação marxista, desembocando em Partido sem estratégia ideológica, estas eleições não me surpreenderam de todo
Ao acompanhar a leitura dos resultados feita pelo Presidente da Comissão Nacional de Eleições, veio-me à mente a durabilidade no poder de um outro partido do sul global, o PRI (partido revolucionário institucional), do México, que esteve no poder entre 1929 e 2000. 71 anos no poder. Longo e asfixiante tempo! As críticas que se faziam, nas sucessivas eleições, centravam-se na fraude eleitoral, na sucessiva repressão contra os eleitores, na sistemática violação dos princípios democráticos, na falta de lisura no trato da coisa pública. Tal e qual a nossa situação.
A propósito, o grande Poeta e intelectual mexicano Octávio Paz, dizia, com a linguagem que lhe era característica: “Os moralistas escandalizam-se diante das fortunas acumuladas pelos antigos revolucionários, mas não reparam que a este florescimento material corresponde outro verbal: a oratória transforma-se no género literário de pessoas prósperas. Mais que um estilo é uma marca, um distintivo de classe.
Ao lado da oratória e das suas flores de plástico, triunfa e se propaga a sintaxe bárbara nos jornais; as inépcias nos programas de televisão; a desonra diária da palavra nos alto-falantes e nos rádios, a cafonice enjoativa da publicidade – toda esta asfixiante retórica, ao mesmo tempo nauseabunda e açucarada, de gente satisfeita e amodorrada por comer demais. Sentados sobre o México, os novos senhores e os seus cortesãos e parasitas lambem os beiços diante de gigantescos pratos de lixo florido.
Quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que gangrena é a linguagem. A crítica da sociedade, em consequência, começa com a gramática e com o restabelecimento dos significados.” Atenção intelectuais e sociedade civil! Li, algures, por entre os textos que circulam nas redes, uma máxima que me encantou e que restabelece, de facto, os significados: “O povo não é prejudicado pela greve. O povo está em greve por ser prejudicado.”
É profundo. E é a resposta popular à recente política editorial dos média, e não só, em dar enfoque aos prejuízos económicos resultantes das manifestações. Uma manifestação, a ideia não é minha, li-a algures, é sempre um simulacro de revolução. Ela visa inquietar o poder, abanar os alicerces corroídos, provocar rupturas, e influenciar as decisões do governo. Não esqueçamos que o nosso modelo democrático funda-se na representatividade, na delegação do poder. Se a árvore que nos representa não dá frutos, é preciso repensar na sua utilidade dentro do nosso espaço vital.
No nosso caso, a população quer mudanças profundas, está cansada da esperança prometida, quer que a realidade do dia a dia mude radicalmente, em actos e propostas urgentes; mas o poder, anquilosado na cadeira que o sustenta há mais de 49 anos, não quer ver a realidade que está nas ruas. E isso pode ser fatal para um partido que já foi uma Frente de Libertação e que soube, a seu jeito, adaptar-se aos conturbados momentos da luta de libertação. Mas quando se transformou em Partido, a ortodoxia e o conservadorismo tomou as rédeas do que era o movimento de libertação. Afirmações desconexas e infantis do comandante geral da polícia, bem como o comunicado tão fora do tempo histórico, como o que foi proferido pela senhora Alcinda Abreu, em nome da Comissão Politica da Frelimo, revelam uma pobreza intelectual e ideológica tão confrangedora que me custa afirmar que a Frelimo está à deriva, desconectada da realidade, e muito longe de um ancoradouro sustentável. Mas está mesmo!
Reencontrem-se e dialoguem com esta juventude que representa o Futuro. O futuro pertence-lhes! E a nós também. Ungulani Ba Ka Khosa – Moçambique in “Moz Entretenimento” com “Facebook”