“Claro que a luta de um povo é sua, de facto, se a razão dessa luta for baseada nas aspirações, nos sonhos, nos desejos de justiça, de progresso do próprio povo, e não nas aspirações, sonhos ou ambições de meia dúzia de pessoas, ou de um grupo de pessoas que tem alguma contradição com os próprios interesses do seu povo.
Contra quem é que o nosso povo tem que lutar? Desde o começo que nós dissemos claramente. Nós, como colónias de Portugal na Guiné e em Cabo Verde, somos dominados pelo estrangeiro, mas não são todos os estrangeiros que nos dominam e, dentro de Portugal, não são todos os portugueses que nos dominam.
Aquela força, aquela opressão que está sendo exercida sobre nós, vem da classe dirigente de Portugal, da burguesia capitalista portuguesa, que tanto explora o povo de Portugal, como explora o nosso povo. E, como sabemos bem, a classe dirigente de Portugal, a classe colonialista de Portugal, está ligada à dominação do mundo por outras classes doutros países, formando juntas, a dominação imperialista. Está ligada ao conjunto das forças imperialistas do mundo que, dominando os seus próprios países, têm necessidade vital de dominar outros povos, outros países, tanto para terem matérias-primas para a sua indústria, como para terem mercados para os seus produtos. Por isso, nós somos dominados pela classe capitalista portuguesa ligada ao imperialismo mundial.
O nosso povo está, portanto, a lutar contra a classe colonialista capitalista portuguesa e, lutando contra ela, está a lutar necessariamente contra o imperialismo, porque ela é um pedaço, embora pequenino e mesmo podre, do imperialismo. Assim, nós sabemos contra quem é que lutamos.
Mas nós enfrentamos o problema não só da libertação mas também do progresso do nosso povo.
E, nessa base, vemos logo que a nossa luta não pode ser só contra estrangeiros, tem que ser também contra alguma gente dentro da nossa terra. O nosso povo tem que lutar ao mesmo tempo contra os seus inimigos de dentro. Quem? Toda aquela camada social da nossa terra, ou classes da nossa terra, que não querem o progresso do nosso povo, mas querem só o seu progresso, das suas famílias, da sua gente. É por isso que dizemos que a luta do nosso povo é contra tudo quanto seja contrário à sua liberdade e independência, mas também contra tudo quanto seja contrário ao seu progresso e à sua felicidade.
A luta na nossa terra tem que ser feita pelo nosso povo. Não podíamos de maneira nenhuma pensar em libertar a nossa terra, em fazer a paz e o progresso da nossa terra, chamando gente de fora (estrangeiros) para virem lutar por nós. Na Guiné e em Cabo Verde nós é que temos de lutar, nós é que temos que lançar mão de todos os meios para lutar. E assim de facto tem acontecido.” Amílcar Cabral – Guiné Bissau
Esta transcrição do texto de Amílcar Cabral “Luta do Povo” tem dois protagonistas, um externo outro interno, que se mantêm nos nossos dias com outras vestimentas, o externo está na fronteira norte e nos interesses francófonos, o interno está nos Antónios Indjais que tão bem Amílcar Cabral espelha no seu penúltimo parágrafo. Baía da Lusofonia
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