Descoberta poderá ter repercussões no tratamento de doentes com endometriose. Investigadores comprovaram benefícios de fármaco no modelo animal
A infertilidade em mulheres com endometriose está mais perto de ter tratamento. Um grupo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) identificou um fármaco que consegue reverter a infertilidade associada à endometriose, doença que impede muitas mulheres de serem mães, além de provocar dor e incapacidade.
A descoberta, feita em modelo animal, permite revelar mecanismos até aqui desconhecidos e abre caminho a novas abordagens terapêuticas na prática clínica, de acordo com o artigo publicado já este ano na revista científica Reproductive Biomedicine Online (RBMO).
Liderado por Delminda Neves, este grupo demonstrou que a metformina, um antidiabético oral usado há muitos anos na diabetes tipo 2 para controlar os níveis de açúcar no sangue (glicemia), é eficaz a tratar a infertilidade.
Mas não é tudo. Neste trabalho, que integra o Doutoramento em Biomedicina de Ana Catarina Neto, os investigadores da FMUP demonstraram outros efeitos benéficos do fármaco na endometriose, o que, no futuro, poderá levar ao seu reaproveitamento.
“A metformina não só aumenta a fertilidade, de modo estatisticamente significativo, como estabiliza o crescimento do tecido do endométrio com localização anormal (ectópico), aumenta a expressão de moléculas antioxidantes e diminui a fibrose (tecido não funcional típico das lesões endometrióticas) no endométrio. Isto é muito promissor”, afirma Delminda Neves.
De acordo com a professora e investigadora da FMUP, o facto de este fármaco já ser usado na diabetes gestacional (diabetes que surge durante a gravidez) pode ser uma mais-valia. Atualmente, os tratamentos mais eficazes para a endometriose têm de ser descontinuados antes da gravidez. “É importante saber que, caso haja recomendação para a prescrição deste fármaco na endometriose, ele pode ser usado na preconceção e na gravidez”, indica.
A infertilidade associada à endometriose será explicada, pelo menos em parte, pelas características do endométrio, camada que reveste o útero e que, nestas mulheres, está alterado, o que dificulta ou impede a gestação, mas também por razões sistémicas, envolvendo diferentes órgãos e tecidos, como é o caso do tecido adiposo.
A equipa de Delminda Neves já havia constatado que o tecido adiposo visceral (na zona abdominal e pélvica) sofre alterações da sua forma e da sua função, como um aumento de moléculas pró-inflamatórias e um gasto mais rápido de energia (hipermetabolismo), tal como acontece no cancro, por exemplo. Publicada na revista científica Archives of Medical Research, esta conclusão resulta da análise molecular a tecidos de mulheres com endometriose, no âmbito de uma colaboração com a ULS S. João, e do trabalho desenvolvido por José Pedro Abobeleira, no Mestrado Integrado em Medicina da FMUP.
“Havendo outros órgãos a influenciar a progressão da endometriose, poderão surgir fármacos que tenham como alvo não somente a regulação de hormonas como o estrogénio, como acontece atualmente, mas que atuem também no tecido adiposo. A metformina é, por isso, um forte candidato”, acrescenta a investigadora.
O grupo vai agora tentar perceber se este fármaco, para além de controlar a endometriose, poderá ser utilizado também para prevenir a possível progressão para tumores, como o cancro do endométrio e o cancro do ovário. “Vamos continuar a estudar de que modo reagem ao tratamento as células de tecido humano, provenientes de mulheres com endometriose. Queremos entender se o efeito da metformina nas células em cultura é sobreponível ao que vimos no modelo animal”, indica.
A equipa que desenvolveu estes trabalhos é composta por vários cientistas da FMUP e do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da U.Porto, nomeadamente, Alexandra Gouveia, Adriana Rodrigues, Henrique Almeida, além de Delminda Neves. Universidade do Porto - Portugal
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