No ano do centenário de José Saramago, chega às livrarias uma nova biografia do escritor, que revela episódios inéditos da vida do serralheiro que assumiu um compromisso com o ofício da escrita e chegou a Prémio Nobel da Literatura.
“As
7 vidas de José Saramago” é o título desta monumental biografia, de 752
páginas, escrita pelo ensaísta Miguel Real e a encenadora Filomena Oliveira,
com trabalho feito sobre obras saramaguianas, que “mergulharam nos arquivos do
escritor” para contar a sua história de vida, revela a editora Companhia das
Letras.
O
resultado é, nas palavras da editora, um relato empolgante, rigoroso e com
muitas histórias inéditas, da vida íntima de um “homem universal”, que na
juventude pediu um empréstimo de 300 escudos para comprar livros e, como não
tinha estante em casa, guardou-os num armário da cozinha.
Este
é um dos episódios pouco conhecidos da vida de José Saramago que são contados
nesta biografia, que percorre as “7 vidas de José Saramago”, desde a infância
na Azinhaga à consagração em Estocolmo, e descreve como o Nobel da Literatura
português começou como um “menino pobre numa Lisboa hostil de que se sentia
excluído em todos os aspetos”, e decidiu derrubar todas as suas muralhas,
criando a “Josephville”, cidade ideal que o escritor descreveu numa crónica em
1968, por contraposição à cidade real.
Da
sua infância fica também a saber-se que o nome Saramago, com que se consagraria,
resulta de um engano do funcionário do Registo Civil (que o escritor retrataria
como um bêbado), que o registou com o apelido pelo qual a família era conhecida
na Golegã e na Azinhaga – os Saramago – em vez de Sousa.
Só
quando foi matriculado na escola é que os pais descobriram, o que obrigou o pai
a mudar o próprio nome para corresponder ao do filho.
Foi
também na infância, após a morte do irmão Francisco, que viveu a experiência
traumática de ser abusado sexualmente por um grupo de rapazes, um episódio
relatado na biografia, através das próprias palavras do escritor.
Ancorados
nessa Josephville criada por Saramago, Miguel Real e Filomena Oliveira contam
simultaneamente a história de José Saramago e de um outro século XX português:
torna-se serralheiro e autodidata, será escritor, encontrará formas de ocupar o
espaço social, cultural e político que lhe permitirá operar a revolução que
idealizou e em que crê obstinadamente, o que levará a criar obras como
“Memorial do Convento”, “O evangelho segundo Jesus Cristo”, e “Ensaio sobre a
cegueira”.
De
1992 para 1998, ano em que foi distinguido pela academia sueca, Saramago vê a
sua “almejada Josephville transformar-se num mundo que o celebra e ao seu
trabalho”.
Em
1994 – este é outro dos episódios reproduzidos na biografia -, Saramago fez um
pacto com o escritor brasileiro Jorge Amado: dos dois, o que ganhasse o Prémio
Nobel convidaria o outro para a cerimónia oficial. O autor brasileiro escreveu
a Saramago dizendo que tinha informação fidedigna de que António Lobo Antunes
seria o vencedor nesse ano, mas, afinal, a distinção acabaria atribuída ao
japonês Kenzaburō Ōe.
A
miséria do campo, a migração para a capital, a sujeição social a que a pobreza
obriga, o percurso profissional e ideológico, o compromisso com a escrita, o
autodidatismo, a vida amorosa, o fracasso do primeiro romance, a direção do DN
e o episódio do saneamento de jornalistas, a censura ao “Evangelho segundo
Jesus Cristo”, a ida para Lanzarote e o Nobel são alguns dos momentos chave
relatados nesta obra.
“As
7 vidas de José Saramago” está dividida em sete capítulos que descrevem as
diferentes fases da vida do escritor, a primeira das quais centrada no
“camponês urbano”, que veio para Lisboa aos dois anos, e cuja personalidade
ficou mais marcada pelas memórias da infância e adolescência na Azinhaga e na
casa dos avós maternos, com a lezíria, os animais e os pequenos hábitos
domésticos, do que no ambiente citadino e mais rigoroso, com a severidade do
pai, o pouco afeto da mãe e as casas repartidas.
A
“segunda vida” é a de “pequeno burguês realizado e escritor falhado” e versa
sobre a totalidade das décadas de 1940 e 1950, de aluno na Escola Industrial a
serralheiro no Hospital de São José e empregado de escritório em duas Caixas de
Previdência, buscando uma ascensão social (sai de casa dos pais, casa e tem uma
filha) e estética (com a descoberta de Pessoa e a obsessão pela escrita). Este
período é marcado pelos seus primeiros fracassos editoriais.
A
“terceira vida” é a de editor, corresponde à década de 1960 e versa sobre o
trabalho de Saramago como editor na Editorial Estúdios Cor, tornando o seu nome
publicamente conhecido do meio intelectual, enquanto a “quarta vida” é a de
“Saramago jornalista”, e abrange os primeiros anos de 1970, quando é convidado
a escrever crónicas no jornal A Capital, se divorcia de Ilda Reis, se apaixona
por Isabel da Nóbrega, despede-se conflitualmente da Estúdios Cor, prossegue as
traduções e sente-se feliz, porque pela primeira vez na sua vida, com 50 anos,
tem tempo para escrever.
A
“quinta vida”, a de escritor português, aborda a década de 1980 e, no todo do
seu percurso, corresponde à conquista da “cidade” – a realização plena como
escritor português e o lançamento da sua obra ao nível internacional, o que
conduz à sua “sexta vida”, a de escritor internacional, estatuto que assume a partir
de 1991, abandonando as temáticas portuguesas e centrando-se na análise da
natureza humana, numa altura em que já estava com Pilar del Rio e em que se
muda para Lanzarote.
O
último capítulo da biografia, correspondente à “sétima vida” do escritor, debruça-se
sobre “Saramago, ele próprio” e acompanha a sua vida desde 1998, ano em que
recebe o Nobel e em que se sente plenamente realizado como escritor e cidadão
do mundo, até 2010, ano da sua morte.
José
Saramago nasceu a 16 de novembro de 1922. In “Mundo
Lusíada” – Brasil com “Lusa”
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