As
rápidas alterações que têm ocorrido em Macau nos últimos anos estão a fazer com
que as comunidades macaense e portuguesa estejam a sofrer crises de identidade,
dizem Carlos Piteira e Vanessa Amaro. Os dois investigadores vão participar num
seminário organizado pela Universidade de São José e o Instituto do Oriente do
ISCSP-ULisboa. Carlos Piteira, que se foca na comunidade macaense, diz que
“Macau está fragilizada e, se Macau está fragilizada, os macaenses também estão
fragilizados”. Vanessa Amaro aborda “a crise” dos portugueses, que encaram as
mudanças em Macau com “uma certa mágoa”.
Confrontadas
com as rápidas alterações que têm ocorrido em Macau nos últimos anos, as
comunidades portuguesa e macaense parecem estar a sofrer de uma crise de
identidade. A ideia é partilhada por Carlos Piteira e Vanessa Amaro, que vão
participar num seminário da série “Bridges” (pontes, na tradução para
português), do Xavier Research Centre for Memory and Identity, da Universidade
de São José (USJ), organizado em conjunto com o Instituto do Oriente do
ISCSP-ULisboa.
O
objectivo da iniciativa é “estimular o intercâmbio intelectual entre académicos
em Macau (China) e Portugal sobre temas relacionados com a sustentabilidade
cultural”, diz a organização, acrescentando que este ano as sessões centram-se
em três conceitos-chave: identidade, transições e poder.
Vanessa
Amaro vai abordar os problemas da comunidade portuguesa ao longo dos últimos
dez anos, com uma intervenção que tem como título “O que se segue para a nossa
‘mobília’? Revisitando o papel da comunidade portuguesa na RAEM na última
década”. Já Carlos Piteira vai focar a sua intervenção na comunidade macaense,
com uma intervenção intitulada “Fragilidades da Identidade Macaense: Reflexão
sobre o tema”.
O desalento sentido pela comunidade portuguesa
Vanessa
Amaro, investigadora e professora do Centro de Estudos Portugueses da
Universidade Politécnica de Macau (UPM), fala sobre a “mobília” de Macau,
metáfora usada para falar sobre a comunidade portuguesa no território. Na sua
intervenção, irá actualizar os dados recolhidos entre 2012 e 2015 no âmbito da
sua tese de doutoramento, quando falou com 60 portugueses a viver em Macau para
perceber quais os desejos e aspirações da comunidade na região.
“Tenho
feito uma retrospectiva, tenho revisto os dados recolhidos naquele período e
agora estou a voltar a falar com as pessoas e a perguntar o que é que aconteceu
com elas nos últimos dez anos, o que aconteceu em Macau, etc”, explica a
investigadora em declarações ao Ponto Final, acrescentando que a ideia é
“tentar situar qual o lugar da comunidade portuguesa em Macau”. Até porque este
“é um momento crítico de transformação da comunidade; há um certo esvaziamento
na comunidade e é altura de reflexão sobre o futuro, sobre qual o papel dos
portugueses, sobre o que é que podem fazer”.
A
primeira constatação a que chegou depois de tentar contactar aqueles que tinha
contactado há dez anos foi de que cerca de 60% das pessoas já não vivem em
Macau. Vanessa Amaro dá o exemplo de um dos entrevistados que, em 2014 tinha
garantido que não iria sair de Macau nem depois de se reformar. Porém, hoje já
não vive no território.
Além
disso, há um sentimento de mágoa e desalento: “O mais comum é as pessoas que
foram embora dizerem que viraram a página. Encerraram, não querem falar sobre
Macau e nem sequer sentem saudades, porque a Macau de que eles têm saudades já
não existe e não vai voltar a existir nunca mais”. Por outro lado, há um
sentimento de perda de influência por parte da comunidade portuguesa em Macau,
menos apoio das autoridades, menos médicos portugueses, por exemplo. “Há uma
certa mágoa”, sublinha Vanessa Amaro. A investigadora assinala que alguns dos
portugueses que abandonaram a região sentiram-se “empurrados” dadas as
transformações no território.
Outra
característica em comum entre os portugueses que saíram da região nos últimos
anos é a dificuldade de ajustamento a uma outra realidade. “Tendem a formar
grupos de amigos e de pessoas que viveram em algum momento em Macau. As pessoas
saem de Macau, mas Macau não sai delas”, frisa.
Estará
a comunidade a sentir uma crise identitária? “Acho que sim. Tem tudo a ver com
essas condicionantes, estas pequenas relações com o poder que se vão perdendo,
deve-se ao facto de os portugueses não saberem qual é que deve ser o seu papel
em Macau neste momento”, responde a investigadora, concluindo que “este
esvaziamento da comunidade traz muita fragilidade”.
As fragilidades da comunidade macaense
É
precisamente sobre fragilidades que Carlos Piteira vai falar neste seminário.
Neste caso, as fragilidades da comunidade macaense que acompanham as
fragilidades e as novas configurações de Macau. Mas “fragilidade é diferente de
fraqueza”, ressalva o antropólogo e investigador do Instituto do Oriente do
ISCSP-ULisboa.
“Esse
conceito de fragilidade da comunidade e do grupo étnico dos macaenses tem a ver
com a própria fragilidade de Macau. Macau é que se encontra num processo de
fragilização relativamente àquilo que quer ser no futuro. Macau está à procura
do seu enquadramento nesta nova realidade que é a RAEM e das dinâmicas do seu
processo de integração na República Popular da China, nomeadamente com os
grandes desafios da Grande Baía, Faixa e Rota, e os pressupostos que isso traz
no reenquadramento do papel de Macau enquanto núcleo dessa abordagem”, explica
o investigador ao Ponto Final.
“O
processo [de integração de Macau na República Popular da China] era para ser
lento, gradual, integrativo e se calhar com menos convulsões até 2049. Não tem
sido assim. Essa é a questão central, um ponto de ruptura que leva Macau a
estar também fragilizado”, nota.
Assim,
diz, esta fragilidade é também transportada para a comunidade macaense enquanto
etnia. “A fragilidade da identidade dos macaenses está inserida na própria
fragilidade da identidade da Macau do futuro”, sublinha. “O que é que Macau vai
ser? Qual o seu modo de vida? Aqui é que Macau está fragilizada e, se Macau
está fragilizada, os macaenses também estão fragilizados. Vão ter de se
reinventar neste novo processo”, aponta o investigador.
“Como
é que acha que os macaenses se vão integrar numa nova configuração? Há factores
que vão pesar”, diz, dando o exemplo do modo de vida: “O modo de vida da RAEM
não é o mesmo que o modo de vida de Macau, durante a governação portuguesa e
com aspectos de ligação muito mais directa das lógicas de relacionamento”.
Outro aspecto que poderá alterar o futuro de Macau, e consequentemente dos
macaenses, é a estrutura populacional da região. “Cada vez menos portugueses,
cada vez menos macaenses e cada vez mais chineses”, aponta.
Finalmente,
há as mudanças na “ligação da comunidade à portugalidade”. “Há os macaenses que
nasceram em Macau até 74, em território português sob administração portuguesa;
de 74 a 99 nasceram em território chinês sob administração portuguesa; e depois
de 99 nascem em território chinês sob administração chinesa. Os nossos futuros
filhos de macaenses vão nascer numa condição territorial, política, jurídica, diferente
daquela que foi o nosso processo anterior. Isto é um facto inevitável e isso
vai-lhes dar um enquadramento do ponto de vista político-jurídico completamente
diferente do que foi a das gerações anteriores”.
Carlos
Piteira abordou a proposta de Lok Po, representante de Macau na Assembleia
Popular Nacional que defendeu que a comunidade macaense deveria ser integrada
na família de etnias chinesas. O antropólogo diz que a proposta “não faz
sentido do ponto de vista da essência da comunidade macaense”, já que a
comunidade “é um grupo distinto de origem miscigenada e com todo um processo em
que basicamente se afirmaram como luso-asiáticos”. André Vinagre – Macau in “Ponto
Final”
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