Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 1 de novembro de 2025

Astérix na Lusitânia: 'Tivemos que incluir a hospitalidade portuguesa na história'

'Astérix na Lusitânia' bateu um novo recorde de vendas após o seu lançamento numa livraria de Lisboa no início deste mês, e os seus números continuam a subir. Os autores contam à Euronews Culture por que escolheram ambientar a mais recente aventura do diminuto guerreiro gaulês em Portugal


Foi em 1959 que Astérix e o resto da aldeia de gauleses inflexíveis, que resistiram à ocupação romana graças a uma poção mágica, apareceram pela primeira vez na revista francesa Pilote.

Desde então, Astérix, sempre acompanhado pelo seu melhor amigo Obélix e o seu cão de estimação, Dogmatrix, viajou por todas as partes do Império Romano e além... por todo ele? Até este ano, os fãs portugueses da série lamentavam o facto da Lusitânia, território que corresponde ao que hoje é Portugal, ainda não ter sido visitada por estes heróis que cativaram e divertiram várias gerações de leitores.

Essa lacuna foi finalmente sanada com o lançamento de Astérix na Lusitânia, o 41.º álbum da série, o sétimo desenhado por Didier Conrad (que contou com o depoimento de Albert Uderzo, criador das personagens) e o segundo escrito por Fabrice Caro (Fabcaro), depois de A Lírio Branco.

Até agora, tem sido um sucesso estrondoso, de acordo com David Lopes, diretor-geral do grupo Leya, que disse à Euronews que o livro bateu o recorde português de vendas nos primeiros quatro dias.

Essa revelação foi duplamente confirmada pelo editor da série em Portugal, Vítor Silva Mota, e também pelo enorme número de pessoas que esgotaram a apresentação do livro numa das maiores salas do complexo de cinemas El Corte Inglés, em Lisboa.

Desde o seu lançamento em 23 de outubro, Astérix na Lusitânia vendeu mais de 50.000 exemplares, de uma tiragem inicial de 80.000. Em todo o mundo, foram impressos cinco milhões de exemplares, publicados em 25 países e 19 idiomas (incluindo dialetos pouco falados, como o mirandês).

Qual o segredo do seu sucesso? O humor mordaz de sempre, os trocadilhos, os anacronismos, as piscadelas para questões atuais (entre risos, são mencionados temas sérios como o discurso anti-imigração ou o domínio de grandes grupos económicos) e, claro, o desfile de clichês sobre os países visitados.

Na Lusitânia, é impossível não ouvir fado (cantado por uma lusitana chamada Amália), ver ou provar pastéis de nata, bacalhau (que Obélix detesta), sentir o calçamento português, os azulejos... e aquela sensação tão portuguesa, a saudade, ou aquele estado de espírito que pode ser resumido nas palavras de Astérix para Obélix quando se vestem de lusitanos: "Tente parecer triste e feliz ao mesmo tempo".

"O engraçado é que você começa a ler o livro e pensa 'nós não somos nada assim'! Quando termina, admite que sim, somos exatamente assim", diz o comediante Hugo van der Ding, que apresentou o livro.

Há também um ancestral do elétrico XXVIII em Olisipo (Lisboa), um revolucionário chamado MCMLXXIV e um jovem que joga futebol com o número VII na camisa, entre muitas outras referências ao Portugal contemporâneo.


Entrevista com Fabrice Caro

Fabrice Caro (Fabcaro) e Didier Conrad encontraram-se com a Euronews Culture durante a apresentação na livraria de Lisboa e discutiram todo o processo que levou à criação deste álbum.

Euronews: Por que nossos amigos Astérix e Obelix demoraram tanto para visitar seus primos lusitanos?

Fabcaro: Eu também me estava a perguntar a mesma coisa. Quando tive que fazer um álbum de viagens, percebi que eles nunca tinham ido a Portugal, e não entendia porquê. Fiquei a pensar por que demoraram tanto, já que parecia um destino tão óbvio. Não é longe da Gália, dá para ir de barco. É um país conhecido, um país vizinho com uma cultura forte. Então, não sei o que os impediu de ir antes.

Didier Conrad: Quando retomamos a série, Portugal surgiu imediatamente como uma possibilidade, talvez também porque fomos para Portugal logo após Astérix e os Pictos (2013) e houve uma certa insistência por parte dos portugueses (em particular, de Vítor Silva Mota, da NDR) para que fizéssemos um álbum no país deles. Sei que o compositor anterior, Jean-Yves Ferri, de origem espanhola, não se sentia muito à vontade com o tema. Por outro lado, Fabrice (Caro) quis vir para Portugal imediatamente. Ficámos muito contentes com a ideia.

Há sempre clichês nos álbuns do Asterix e esta história não é excepção. Tem o bacalhau, que o Obelix detesta. Depois, há os pastéis de nata, o fado, e tudo mais... Para além dos clichês, que aspetos de Portugal e dos portugueses identificou durante as suas viagens de preparação e decidiu incluir no álbum?

Fabcaro: Hospitalidade. A hospitalidade não fazia necessariamente parte do roteiro inicial.

Eu tinha percebido os clichês gastronómicos, o bacalhau, as características, a nostalgia, e esse foi o nosso ponto de partida. Eu não estava muito focado na hospitalidade, no lado caloroso e acolhedor dos portugueses. Quando nos reunimos com o editor, percebi que precisava adicionar esse aspecto. Reescrevi e acrescentei ao roteiro a parte sobre o lado acolhedor e solidário do povo português.

Didier Conrad: Eu só tinha estado aqui uma vez antes. O que mais me surpreendeu foi o clima, que é muito diferente da Espanha. É húmido e quente. Na verdade, não é muito diferente do Texas, onde eu moro.

Notei também que há azulejos por toda parte, até mesmo em baixo das pias. A necessidade de decorar tudo é incrível. Acho que é bem típico daqui. Por outro lado, há muito peixe, muitos pratos à base de peixe.

Será difícil dar continuidade ao legado de Uderzo e Goscinny?

Fabcaro: Eles eram dois génios. Um génio do desenho e um génio da escrita. Então é muito difícil seguir os passos deles, mas é uma missão. Ao mesmo tempo, serve como uma restrição. Dizemos a nós mesmos que temos de manter esse espírito. Quando fazemos um álbum de viagem, devemos manter o espírito de humor benevolente, de rir juntos, de compartilhar. Queremos manter esse espírito tão caro aos criadores.

Didier Conrad: É um pouco como estar numa grande família. Eu cresci com Astérix. É algo que faz parte do meu dia a dia emocional. Então é mais uma tradição na qual fomos criados. Não é algo tão pesado.

No seu caso específico, você é o designer, tem o seu próprio estilo, mas teve que adaptar-se um pouco ao estilo de Uderzo...

Didier Conrad: Comecei a trabalhar em Astérix quando tinha pouco mais de 50 anos e já havia desenvolvido um pouco de tudo o que queria desenvolver pessoalmente. Já tinha feito vários álbuns a solo e evoluir depois de certa idade é mais difícil, porque criamos hábitos.

Eu disse ao Uderzo que, ao fazer isso, eu estava reaprendendo a minha arte, pois fui obrigado a revisitar tudo o que sabia de acordo com o método de trabalho dele. Foi bom para mim.

Neste álbum, tal como nos anteriores, você mistura temas atuais com temas clássicos. Você fala, por exemplo, sobre o discurso anti-imigração ou sobre o turismo. Você leu algo sobre a situação em Portugal?

Fabcaro: Não li especificamente sobre Portugal, mas conheço a situação na França e a impressão que tenho é de um clima europeu. Em geral, acho que estamos numa situação parecida. Cada álbum analisa a sociedade. Há a história principal e sempre um tema transversal. É sempre um retrato da sociedade em que se passa e da época em que o álbum é lançado.

Dando continuidade a essa questão, a reformulação do personagem Baba (o pirata negro) tem alguma relação com esse novo contexto? Porque antes ele era um personagem que refletia muito o estereótipo que algumas pessoas brancas têm dos negros...

Didier Conrad: Você precisa entender que o personagem Baba surgiu como uma paródia de outra série que passava no Pilote na mesma época, uma série chamada Barbe Rouge, que continua até hoje, onde havia um homem negro e alto chamado Baba que falava sem pronunciar o "R". Era apenas uma referência à série de um amigo, na verdade. Depois de um tempo, a paródia ficou mais conhecida do que a série original.

Com o tempo, isso começou a se encaixar como um estereótipo que significava outra coisa. Além disso, estamos num período tenso em relação à representação de diferentes etnias ou culturas, e isso causa problemas, especialmente para pessoas que não conhecem o universo de Astérix, que o veem de fora e percebem que, com todo o impacto que Astérix tem, não é bom fazer isso, e isso complica as coisas. Foram sobretudo as editoras norte-americanas que tiveram problemas com o personagem.

Próximo álbum? Alguma outra ideia?

Fabcaro: Para o Didier, com certeza. Estou em carácter interino porque o escritor principal designado é o Jean-Yves Ferry, que queria fazer uma pausa, pelo menos durante estes dois álbuns. Então, estou à espera do retorno do Jean-Yves. Pelo menos eu ainda estou no clima, ainda estou a divertir-me muito. Euronews.culture




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