Em livro que foge às definições de gênero, Raquel Naveira apresenta, em prosa poética, reflexões sobre a condição humana
I
Reflexões
de uma mulher madura, sensível, amante das Letras e das Artes, à janela, diante
de uma noite salpicada de estrelas, compõem Ursa Maior (São
Paulo, Scoprtecci Editora, 2025), o mais recente livro da professora universitária,
poeta, romancista, contista, cronista, crítica literária e ensaísta
sul-mato-grossense Raquel Naveira. Obra de gênero de difícil classificação,
para a qual a autora arrisca como definição que seria um “romance em desordem,
fragmentário, um amontoado de estudos”, trata-se de uma criação ficcional
plasmada em prosa poética, dividida em três capítulos – “Pontos luzentes”, “Astros
cintilantes” e “Luminescências” –, que há de encantar até o leitor mais
exigente.
O
título vem exatamente do olhar feminino para a imensidão do cosmos, durante certa
madrugada, em que a autora localizou a constelação da Ursa Maior, que, diante de
sua solidão, passa a ser sua interlocutora. Dessa maneira, aos poucos, passa a
transmitir ao leitor suas angústias, suas leituras, seus poetas e escritores
preferidos, seus gostos e delírios, levando adiante um processo de
autoconhecimento.
Como
observa o escritor e crítico literário Krishnamurti Góes dos Anjos, em extenso
e sensível prefácio que adquiriu o foro de ensaio, esse benfazejo leitor, com
certeza, terá a oportunidade de se deparar com um texto capaz de “irradiar a
luz da criação literária no que ela tem talvez de mais interessante: a
criatividade”. Afinal, vai encontrar em Raquel Naveira alguém que “exercita uma
veia literária onde aflora uma erudição notável e uma vasta bagagem de leitora
e professora de literatura”.
II
Inspirada
na constelação Ursa Maior, formada por sete estrelas (Alpha, Beta, Gamma,
Delta, Epsilon, Zeta e Eta), que estão a cerca de 10 anos-luz da Terra, Raquel Naveira
procura misturar as imagens do universo cósmico com suas reflexões íntimas,
passando por sua ancestralidade, que vem dos Açores e mistura-se com os
indígenas. Diz ela: “Fiz jus ao meu sangue português quando me arremeti contra
o desconhecido e saí de minha terra, nação guarani. Desejei tanto uma nova
estrela, uma nova sorte. Estava cansada, mas ainda tinha forças. Viajei em
busca de meu ideal. Saí observando o mundo, mas ele não tinha nada de bom. Voltei
à mesma casa de minha infância, de onde observo as Ursas pela janela. Quando
chegará minha hora, minha vez?”
Por
aqui, o leitor já pode sentir o que vai encontrar neste livro em que a autora evoca
não só a mulher selvagem das fronteiras entre Brasil e Paraguai como nomes
lendários, como Manuel Bandeira (1886-1968), seu poeta preferido, Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987) e Cassiano Ricardo (1895-1974), entre os
brasileiros, ao lado de estrangeiros famosos, como o teólogo e filósofo Santo
Agostinho (354 d.C-430 a.C), nascido no Norte da África, o poeta chileno Pablo
Neruda (1904-1973), o poeta inglês William Blake (1757-1827), o escritor
austríaco-tcheco Franz Kafka (1883-1924), o poeta irlandês William Butler Yeats
(1865-1939), a escritora inglesa Jane Austen (1775-1817), o filólogo francês Jean-François Champollion
(1790-1832), o pintor holandês Johannes Vermeer (1629-1675), o escritor francês
Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), o poeta norte-americano Edgar Allan Poe
(1809-1849) e outros.
Como
se vê, embora a autora deixe claro que não pretende ser autobiográfica nestas
páginas, ela reconhece que não pode deixar de mostrar que viveu voltada para as
Letras, para a poesia e para as salas de aula onde ensinou Literatura
Portuguesa e outras cadeiras da área de Humanas. Além de exibir a indisfarçável
erudição de sua autora, Ursa Maior é obra que também evoca a
figura da mulher selvagem, conectada à floresta, à Terra e ao cosmos.
Dona
de uma sensitiva prosa poética, Raquel Naveira conduz o leitor por uma
travessia simbólica rumo à reconexão com o sagrado feminino e com a
ancestralidade, usando os astros como metáfora de sua força intuitiva. Vale a
pena conhecer este livro.
III
Raquel
Naveira (1957), nascida em Campo Grande, formada em Direito pela Universidade
Católica Dom Bosco (1976), em sua cidade natal, é mestre em Comunicação e
Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001), de São Paulo. Graduou-se
em Língua e Literatura Francesa pela Universidade de Nancy (1981), da França, e
em Letras pela Universidade Católica Dom Bosco (1994), onde deu aulas de
Literaturas Brasileira, Latina e Portuguesa por 19 anos e aposentou-se.
Residiu
no Rio de Janeiro, onde lecionou na Universidade Santa Úrsula e, em São
Bernardo do Campo-SP, na Faculdade Anchieta. Deu também aulas na pós-graduação da
Universidade Nove de Julho (Uninove), de Comunicação Aplicada na Faculdade de
Tecnologia em Hotelaria, Gastronomia e Turismo (Hotec) e na pós-graduação da
Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo.
Ministrou
palestras e cursos em escolas e em várias instituições culturais como Casa das
Rosas, Casa Guilherme de Almeida e Casa Mário de Andrade, em São Paulo. Na
Academia Paulista de Letras, participou do Ciclo de Memória da Literatura,
discorrendo sobre o trabalho das romancistas Maria de Lourdes Teixeira
(1907-1989) e Stella Carr (1932-2008).
É
autora de mais de 40 títulos de poesia, crônicas, ensaios e romances, entre
eles: Abadia, poemas (Editora Imago,1996), e Casa de Tecla,
poemas, obra indicada ao Prêmio Jabuti de Poesia, pela Câmara Brasileira do
Livro. Escreveu o livro infanto-juvenil Pele de Jambo (1996)
e o de ensaios Fiandeira (1992).
Publicou
os romanceiros Guerra entre irmãos (1993), poemas
inspirados na Guerra do Paraguai (1864-1870), e Caraguatá (1996), inspirados
na Guerra do Contestado (1912-1916), conflito armado entre os Estados de Santa
Catarina e Paraná, a partir de luta entre posseiros e pequenos proprietários pela
posse de um território, livro que inspirou o filme de curta-metragem Cobrindo
o Céu de Sombra, monólogo com a atriz Christiane Tricerri.
É
autora também de: Via Sacra (1989); Fonte Luminosa (1990);
Nunca-Te-Vi (1991); Sob os Cedros do
Senhor (1994); Canção dos Mistérios (1994); Mulher
Samaritana (1996); Maria Madalena (1996); O Arado
e a Estrela (1997); Rute e a Sogra
Noemi (1997); Intimidades Transvistas (1997); e Senhora
(1999), que recebeu o prêmio Jorge de Lima-Brasil 500 anos, concedido pela
Academia Carioca de Letras e pela União Brasileira de Escritores (UBE), seção do
Rio de Janeiro, em 2000.
Publicou
ainda: Stella Maia e Outros Poemas (2001); Xilogravuras
(2001); Maria Egipcíaca (2002); Casa e Castelo
(2002); Tecelã de Tramas – ensaios sobre interdisciplinaridade
(2005); Portão de Ferro (2006); Literatura e Drogas
– e outros ensaios (2007); Guto e os Bichinhos
(2012); Sangue Português (2012); Álbuns de Lusitânia
(2012); e Jardim Fechado – uma antologia poética
(2016), livro comemorativo dos seus 30 anos de carreira literária, entre outros.
Em
2002, lançou o CD Fiandeiras do Pantanal, em que declama
seus poemas, acompanhada por craviola e pela voz da cantora Tetê Espíndola. Fiandeira
foi indicado como leitura obrigatória do vestibular da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS). Este livro e mais Jardim Fechado: uma
antologia poética foram eleitos como os representativos de Mato
Grosso do Sul pelo portal G1.
Nos
últimos tempos, lançou Leque Aberto (2020), Romanceiro de
Cabeza de Vaca: o andarilho das Américas
(2020) e Manacá (2021), crônicas em que mescla em prosa poética tradição
e modernidade. Em 2022, publicou No Mundo Encantado de
Luciana, infanto-juvenil e, em 2023, Mundo Guarani – fragmentos
de uma alma da fronteira, obra de memória
que está entre a crônica, a novela e o romance e obteve o Prêmio João do Rio,
da UBE, do Rio de Janeiro, narrativa que traz à tona o universo da fronteira
entre o Brasil e o Paraguai, em que recupera suas vivências com a herança
indígena ainda extremante forte na cidade de Bela Vista, na fronteira com o
Paraguai, à beira do rio Apa.
Em
2024, lançou Ponto de Fuga & Outros Poemas
(São Paulo, Inmensa Editorial), coletânea de poemas originalmente publicados em
dez de seus livros, que reúne também peças inéditas, os chamados poemas
“vegetais”, gênero que, aliás, já estava presente em obras anteriores.
Pertence à Academia Sul-mato-grossense de Letras, à Academia Cristã de Letras, de São Paulo, à Academia de Letras do Brasil, de Brasília, à Academia de Ciências de Lisboa e ao PEN Clube do Brasil. Escreve para várias revistas e jornais como Correio do Estado-MS, Jornal de Letras-RJ, Linguagem Viva-SP, Jornal da ANE-DF e O Trem-MG, entre outros. Adelto Gonçalves - Brasil
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Ursa Maior, de Raquel Naveira, com prefácio de Krishnamurti Góes dos Anjos. São Paulo, Scortecci Editora, 80 páginas, R$ 35,00, 2025. Site: www.scortecci.com.br E-mail da autora: raquelnaveira@gmail.com
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Adelto
Gonçalves, jornalista, mestre em
Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras
na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor
de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo
(Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003; São
Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira
de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´el-Rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio
de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O
Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo
1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. Escreveu prefácio para o livro Kenneth
Maxwell on Global Trends (Robbin Laird, editor,
2024), publicado na Inglaterra. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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