Investigadores do i3S e da Universidade de Coimbra recorreram a fármaco que elimina as células envelhecidas e verificaram um alívio simultâneo de vários sintomas
Uma equipa de investigadores do
Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (i3S) e
do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra
(CNC-UC), integrado no Centro de Inovação de Biomedicina e Biotecnologia
(CIBB), fez uma descoberta que pode transformar o futuro da medicina cardíaca.
Através de uma estratégia inovadora inspirada na medicina de rejuvenescimento,
os cientistas encontraram uma forma de combater uma das variantes mais graves
da insuficiência cardíaca: a insuficiência cardíaca com fração de ejeção
preservada (HFpEF).
Nesta condição, embora o coração mantenha a capacidade de
bombear sangue, o ventrículo esquerdo perde a flexibilidade necessária para
relaxar e encher-se adequadamente. As consequências são devastadoras: falta de
ar, fadiga incapacitante, limitação para tarefas simples do quotidiano e,
sobretudo, uma taxa de mortalidade equiparável à de vários tipos de cancro.
Esta forma de insuficiência cardíaca está a aumentar a um
ritmo alarmante e, devido ao envelhecimento da população, prevê-se que se torne
dominante num futuro próximo. A sua gravidade é agravada pelo facto de estar
frequentemente associada a outras patologias prevalentes, como hipertensão,
diabetes e obesidade, tornando a HFpEF um dos maiores desafios da medicina
cardiovascular contemporânea.
Neste estudo, publicado na prestigiada revista Cardiovascular Research, e
destacado no editorial, os investigadores usaram um modelo animal que mimetiza
a HFpEF humana em contexto cardiometabólico, e observaram uma acumulação de
células senescentes no sistema imunitário, nos vasos sanguíneos e no coração.
Trata-se de células envelhecidas que pararam de se dividir, mas que permanecem
no corpo e libertam substâncias inflamatórias que prejudicam as células de
tecidos vizinhos, acelerando o processo de envelhecimento e contribuindo para o
desenvolvimento de doenças.
“Após a administração de um fármaco senolítico, que
elimina especificamente estas células senescentes, verificámos um alívio
simultâneo dos múltiplos sintomas da HFpEF, ou seja, há um impacto direto na
saúde cardiovascular e sistémica», afirma Diana S. Nascimento, coordenadora da
equipa do i3S, que é também investigadora do Instituto de Ciências Biomédicas
Abel Salazar (ICBAS).
“Este trabalho realça o enorme potencial da medicina de
rejuvenescimento como abordagem terapêutica para doenças complexas e
multifatoriais como a HFpEF”, explica por sua vez investigador Lino Ferreira,
líder da equipa do CNC-UC/CIBB e da Faculdade de Medicina da Universidade de
Coimbra.
“Há décadas que olhamos para o envelhecimento como um
processo inevitável. Este estudo mostra que é possível intervir diretamente nos
mecanismos celulares do envelhecimento para tratar doenças altamente
incapacitantes”, acrescenta Inês Tomé, investigadora da Universidade de Coimbra.
Os investigadores destacam ainda que níveis elevados de
leucócitos (células sanguíneas do nosso sistema imunitário) senescentes em
circulação foram observados em doentes com HFpEF, estando associados a uma
maior severidade da doença, sugerindo assim que esta abordagem poderá ter
relevância clínica direta.
“Estamos a transformar o paradigma da terapêutica
cardiovascular: não se trata apenas de aliviar sintomas, mas de atuar
diretamente sobre os mecanismos celulares do envelhecimento, que estão na
origem da disfunção orgânica associada à idade”, conclui Elsa Silva,
investigadora do i3S e primeira autora do artigo.
O trabalho, sublinham os autores, “representa um marco na
convergência da medicina antienvelhecimento e cardiovascular, apenas possível
através de uma forte colaboração entre três instituições portuguesas de
referência em investigação cardiovascular, medicina regenerativa e
envelhecimento: i3S, CNC-UC/CIBB e Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP)”.
As equipas estão já a planear os
próximos passos para avaliar os mecanismos que causam o envelhecimento precoce
em contexto cardiovascular e desenvolver novas terapias mais personalizadas,
com vista à sua futura translação clínica. Universidade do Porto - Portugal
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